Prossigo esse registro salteado de meu roteiro romano de sete dias, cumprido a partir da histórica solenidade de canonização de João Paulo II e João XXIII:
São Paulo Extramuros, a basílica papal sobre a qual falei ontem, foi apenas uma das fotografias de Roma que acabei fazendo com o olhar de repórter.
Minha lente não ficou centrada no mundo do sagrado, embora tudo em Roma leve, a cada quadra, a um encontro com o mundo da fé.
Na Praça Benedetto Cairoli, por exemplo, um dos mais charmosos recantos da Roma Histórica (e onde fiquei hospedado no agradabilíssimo e requintado hotel Locanda Cairoli), recolho mostra de ação pública que poderia ser adotada por nossa Prefeitura: na manhã de segunda-feira, 28 de abril, carros e mini caminhões da Prefeitura de Roma estacionam ao derredor da praça. Das viaturas descem funcionários uniformizados carregando uma parafernália de instrumentos e vasilhames com líquidos, vassouras, rodos, instrumentos de perfuração, pás, enxadas, placas.
Modelo para Curitiba
O que esses funcionários municipais vão fazer está na cara: numa operação concentrada passarão o dia inteiro ajeitando a Cairoli, um espaço privilegiado, ponto de encontro de mães e seus filhinhos, de velhos aposentados e adolescentes que por ali veem a vida passar, jogando bola ou simplesmente conectados à rede.
Ao lado da praça fica uma das centenas de igrejas romanas, enormes (muitas vezes centenárias), quase sempre ligadas a uma casa que abriga religiosos que dirigem esses templos. No caso da Cairoli, os padres são Barnabitas. E eles conseguem manter limpo e conservado o histórico templo com os recursos que recebem da casa de retiros e encontros – albergue também – que mantêm no prédio geminado.
Voltando à operação concentrada:
O que percebo, e me impressiona, é a agilidade com que os funcionários públicos vão diretos ao foco das mazelas que estavam afetando a praça; uma delas, muito explícita, as pichações, essa praga que também assola Roma em cada centímetro da cidade. Por ora, os monumentos públicos estão preservados desses vândalos. Até quando?
No dia seguinte, vou conferir: a Cairoli parece recém inaugurada, tão limpa e renovada está…
Nas muitas andanças, e sob o influxo da temperatura do sagrado, apropriada à viagem que eu deveria ter feito com Belmiro Castor e Elizabeth, e encontrando a filha do casal, Carolina, que mora na Alemanha, sigo para Via Del Corso.
A rua é vital do Setor Histórico, e lá vou visitar a Igreja de Santo Andrea Del Valle. Não é um templo comum, pois ali não se realizam missas ou outros atos litúrgicos. Trata-se de uma dos melhores relicários dessa Roma dos Césares e dos Santos.
E nas proximidades da Santo Andrea, há o refrigério da Praça Navona…
Um museu
O espaço é uma sucessão de obras de arte dispostas em altares, em pinturas renascentistas e mais recentes, sem falar nos afrescos e nas esculturas.
Um museu intensamente procurado.
Não fugindo à regra, uma construção nos fundos do templo, quatro andares, dos 1800s, acredito, abriga um pequeno seminário dos padres teatinos, guardiães da igreja. E que, como forma de subsistência da comunidade, mantêm uma hospedaria para quem chega a Roma. Só são aceitos hóspedes indicados por ligações mundiais dos teatinos. Cobram-se 30 euros de diária, com direito às 3 refeições, fartas e saudáveis.
Os quartos podem ser individuais e coletivos. Mas idosos e pessoas com limitações físicas podem desistir da ideia de usar a casa: o padre reitor, Padre X, um holandês que fala português tão bem quanto eu acredito falar, não deixa que se usem os elevadores. “Tudo para economizar”, explica-me um mineiro de Contagem, hóspede, que lá se ficou durante os dias da canonização.
Flores lucrativas
A hospedaria é uma das ‘engenharias’ desse padre que não se peja em confessar: “Sou holandês, e nós somos comerciantes. No meu caso, meu espírito mercantil está a serviço do sagrado”.
Tal como deve estar a milionária plantação de flores de Holambra, em São Paulo, que ele – mesmo à distância – diz controlar em nome de sua família. E que por um tempo controlou, quando viveu em S. Paulo.
É um dos sócios do lucrativo e tradicional empreendimento.
Como religioso com voto de pobreza, os seus lucros pessoais devem ir para a congregação dos Padres Teatinos.
O padre X é assunto para a próxima edição de “Primavera Romana”.
(a coluna de ontem, 6, ao contrário do registrado, foi escrita por mim; meu amigo Hélio Puglielli escreveu-a até a do dia 6, em meu lugar. E com enorme qualidade).