por João Elísio Ferraz de Campos *
A carência de líderes no mundo de hoje transforma o Papa Francisco numa das figuras mais emblemáticas da atualidade. Em todas as suas atitudes transcende a personalidade firme, determinada, de um pastor que assume a responsabilidade de conduzir um imenso rebanho de fiéis não como um fardo, mas como uma missão sublime a que se entrega com o entusiasmo de quem pratica naturalmente o amor ao próximo e a caridade, virtudes cardeais da doutrina cristã. Sem ferir cânones e rituais está deixando de lado as pompas e circunstâncias do Pontificado e com gestos e palavras de valores indiscutíveis está aproximando a Igreja católica dos dias atuais e de seus seguidores.
De certa forma aliviou o peso da culpa de quem se sentia permanentemente em pecado por sua condição homossexual ou por ter reconstruído sua vida em uma segunda união. Quando se refere aos pobres – e tem feito isso com frequência – é com a preocupação de contribuir para diminuir a miséria, a fome e a desigualdade no mundo. Chegou, inclusive, em um de seus tantos pronunciamentos, a lembrar ao capitalismo que no processo econômico existem também pessoas. É tão humano como qualquer um de nós ao torcer por um time de futebol na Argentina ou ao confessar que furtou o crucifixo de um padre amigo que havia morrido. Tudo isso não o diminui, pelo contrário, o engrandece como cristão sem afastá-lo das responsabilidades do Pontificado.
Tem revelado, em todas as suas ações, a simplicidade e a humildade dos santos sem tirar os pés da terra ao compreender que a sua missão espiritual se realiza em seres humanos com limitações e necessidades materiais. Só esses aspectos já justificariam a admiração que ele desperta hoje no mundo e não só entre os católicos. Mas o papa Francisco é muito mais que isso.
A sua tolerância e a disposição para perdoar quando trata com os fiéis se transformam em rigor e austeridade nas questões que envolvem a sua condição de chefe do Estado do Vaticano. Está enfrentando com coragem e transparência os dois maiores problemas do papado nos últimos anos: a corrupção no Banco do Vaticano e o envolvimento de religiosos em pedofilia. Em nenhum momento ele tentou amenizar ou proteger pessoas e, no segundo caso, chegou a pedir, publicamente, perdão pelos crimes cometidos. Não é, portanto, sem razão que o papa Francisco, sem qualquer planejamento de marketing ou intenção midiática, desperta tanto interesse e chama a atenção da imprensa de todo o mundo. A carência de líderes, de estadistas capazes de encontrar soluções diplomáticas para os problemas internacionais, de reconhecer erros e corrigi-los, de agir com clareza e colocar os interesses de todos acima de tudo, o destacam como um paradigma neste início de século. Ninguém sabe ao certo que forças se opõem ou que motivos impedem que se encontre uma solução para a guerra civil da Síria, para a desestabilização da Ucrânia, para a questão da Palestina e tantos outros conflitos regionais em que o prejuízo e o sofrimento ficam sempre com as populações locais. Com certeza não é a autodeterminação dos povos.
Vários chefes de Estado têm procurado se aproximar do papa Francisco, mas não sei se algum (ou os políticos que os cercam) está disposto a mudar seus hábitos. Ou seja, de olhar para os pobres sem demagogia, de abrir mão de privilégios, de pompas e circunstâncias, de reconhecer erros e corrigi-los, de enfrentar problemas e solucioná-los. Neste ano de eleições, seria bom se os candidatos meditassem um pouco no exemplo desse papa que trata as pessoas com a solidariedade e a tolerância de um pai e as coisas do Estado com o rigor de coisa pública. E nem precisam ter a sua simplicidade e humildade de santo. (transcrito de Gazeta do Povo de 28-5-14)
* João Elísio Ferraz de Campos, empresário, membro do Conselho do Instituto Ciência e Fé, foi governador do Paraná