sexta-feira, 13 junho, 2025
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Junho de 2013: 10 anos do mês que mudou o país

Agência DW – Entre agosto de 2012 e maio de 2013, protestos contra o aumento de tarifas no transporte público eclodem em Natal (RN), Porto Alegre (RS), Goiânia (GO) e Rio de Janeiro (RJ). Na capital do Rio Grande do Norte, o movimento, chamado de “Revolta do Busão” e que chegou a bloquear avenidas e rodovias, é bem-sucedido, levando a Câmara Municipal a revogar o aumento em setembro de 2012.

Relembre a cronologia do histórico junho de 2013:

2 de junho de 2013 – Aumento de tarifas em São Paulo

Dez dias após a prefeitura e o governo de São Paulo anunciarem um reajuste de 20 centavos nas passagens de ônibus, trens e metrô, entra em vigor a nova tarifa de R$ 3,20. O índice de aumento foi de 6,7%.

3 de junho – Primeira manifestação em SP

Um dia após o aumento entrar em vigor, cerca de cem manifestantes bloqueiam a Estrada do M’Boi Mirim, periferia de São Paulo. Essa primeira manifestação não conta com convocações feitas pelas redes sociais. Parte dos participantes são moradores da região. O ato recebe cobertura mínima da imprensa.

A organização coube ao braço paulistano do Movimento Passe Livre (MPL), um movimento descentralizado e sem liderança clara lançado em 2005 no Fórum Social Mundial em Porto Alegre, e que tinha como inspiração protestos que ocorreram em Salvador e Florianópolis na primeira metade dos anos 2000. Com a bandeira da gratuidade no transporte público, o MPL paulistano já tinha realizado algumas manifestações em 2011. Seus membros eram ligados à esquerda, mas o movimento se definia como “apartidário” e “independente”.

6 e 7 de junho – Movimento ganha tração em SP

A segunda manifestação do MPL marca uma mudança de tática: o protesto começa com uma concentração na região central de São Paulo, em frente ao Theatro Municipal, e segue para a Avenida Paulista. Algumas centenas de manifestantes bloqueiam todas as vias da avenida. Há registro de depredação da entrada de uma estação de metrô, portas de um shopping e bancas de jornais. Quinze pessoas são detidas após intervenção da PM, que fez uso de gás lacrimogênio e balas de borracha.

Também entram em cena as convocações do MPL por meio das redes sociais. Esse tipo de convocação já tinha antecedentes no Brasil em 2011, com o “Churrascão da Gente Diferenciada”, “A Marcha das Vadias” e a “Marcha da Maconha”, que fizeram uso das redes sociais para atrair diretamente participantes com princípios ou bandeiras semelhantes.

No exterior, convocações por redes sociais ou fóruns de internet já haviam sido usadas em 2011 por manifestantes da Primavera Árabe (Oriente Médio e Norte da África), do Occupy Wall Street (EUA) e do Movimiento 15-M (Espanha), além de protestos contra os resultados das eleições russas.

No dia 7 de junho, um novo protesto convocado pelo MPL, com concentração no Largo da Batata, resulta no bloqueio da marginal Pinheiros, uma das artérias viárias da capital, e em uma nova marcha até a Avenida Paulista. Duas mil pessoas participam da manifestação. A PM volta a usar gás lacrimogênio. No protesto, manifestantes entoam gritos como “Se a tarifa não baixar, a cidade vai parar“.

Protesto em 2013
Manifestantes contra o aumento da tarifa. Falta de liderança clara de movimentos desnorteou autoridades e a imprensa. Foto: picture-alliance/AP

11 de junho – “Black blocs” passam a receber atenção

O terceiro grande protesto na região central de São Paulo atrai 5 mil pessoas, que se deslocam da Avenida Paulista rumo ao terminal parque D. Pedro II. Parte dos manifestantes empunha bandeiras de alguns pequenos partidos políticos de esquerda, como o PSTU. Alguns jornalistas que acompanham o protesto são hostilizados.

A marcha principal acaba após a Tropa de Choque da PM, que já esperava no parque D. Pedro, intervir quando alguns manifestantes encapuzados contornaram os policiais e atiraram coquetéis molotov contra o terminal e paus e pedras contra agentes de segurança. Manifestantes pacíficos gritam palavras de ordem como “sem violência!”.

Outros participantes seguem para a Praça da Sé e Avenida Paulista, com registro de quebra-quebra. A PM volta a reprimir o protesto com balas de borracha e gás lacrimogênio.

No dia seguinte, o termo “black bloc” começa a aparecer na imprensa para descrever os manifestantes encapuzados e desgarrados da massa principal que promovem vandalismo. O termo descreve uma tática de confronto associada a movimentos anarquistas e que começou a se disseminar na Alemanha Ocidental nos anos 1980.

O bloqueio de vias e os atos de vandalismo provocam uma reação hostil de comentaristas e veículos de imprensa.  “A grande maioria dos manifestantes são filhos de classe média. Ali não havia pobres que precisassem dos R$ 0,20. Os mais pobres ali, eram os policiais apedrejados que ganham muito mal”, disse o comentarista Arnaldo Jabor no Jornal da Globo na noite de 12 de junho.

De Paris, onde cumpriam agenda, o prefeito Fernando Haddad (PT) e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) criticam a depredação. Para Haddad, os atos de vandalismo foram produzidos por “pessoas inconformadas com o Estado democrático de Direito”.

Black Bloc
Black blocs em ação no Rio de Janeiro. Tática de confronto que nasceu na Alemanha Ocidental se difundiu no Brasil em 2013. Foto: CHRISTOPHE SIMON/AFP/Getty Images

13 de junho – Repressão violenta da PM marca estopim de movimento nacional

O quarto protesto na região central de São Paulo começa com uma concentração tensa nas escadarias do Theatro Municipal. PMs revistam pessoas – inclusive jornalistas – que se dirigem à área. Estações de metrô são fechadas. Pessoas que carregavam vinagre – usado para aliviar os efeitos do gás lacrimogênio nos olhos – são presas, incluindo um jornalista. Em parte da imprensa de São Paulo, o tom adotado foi de exigir que a PM tomasse providências para sufocar o movimento.

O jornal Folha de S.Paulo havia publicado pela manhã um editorial com o título “Retomar a Paulista”, que acusava os participantes do movimento de serem “jovens predispostos à violência por uma ideologia pseudorrevolucionária”. “É hora de pôr um ponto final nisso”, concluía o editorial.

No início da noite, cerca de 5 mil pessoas deixam as escadarias do teatro e seguem para a rua da Consolação, um dos acessos para a Avenida Paulista. Sem registrar incidentes significativos no percurso, a marcha é bloqueada pela PM quando alcança a esquina da Consolação com a rua Maria Antônia, local que já havia sido palco de um famoso confronto entre estudantes em 1968.

Sem emitir qualquer advertência, policiais da Tropa de Choque passam a disparar gás lacrimogênio e balas de borracha na multidão, inclusive em manifestantes que tentam fugir por ruas adjacentes.

Nas horas seguintes, membros da PM, longe de se limitarem a bloquear o acesso à Avenida Paulista, atacam jornalistas, moradores da região, motoristas que trafegavam e clientes de bares nas ruas dos bairros Bela Vista e Consolação. Pelo menos 17 profissionais da imprensa ficam feridos – um fotógrafo perde um olho. Outros três são presos.

A noite termina com mais de 230 pessoas presas. A violência da PM, no entanto, tem o efeito oposto. Em vez de dissuadir a participação nos protestos, acaba por alimentá-los.

Protesto de 2013
Repressão policial de 13 de junho deu impulso a protestos. Foto: Christophe Simon/AFP/Getty Images

14 de junho – Governo de SP defende repressão, mas violência policial causa revolta

Na manhã seguinte, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, defende a ação da polícia e chama os manifestantes de “baderneiros e vândalos”. No entanto, o governador não consegue controlar a narrativa, e chovem críticas de ONG, grupos da sociedade civil, movimentos sociais, grupos de advogados e até de setores da imprensa sobre os excessos na ação da PM. Protestos são organizados no exterior em apoio aos manifestantes no Brasil.

Uma nova manifestação é convocada em São Paulo pelo MPL para 17 de junho. “Não é por centavos, é por direitos”, diz um panfleto distribuído na capital.

15 e 16 de junho – Protestos contra a Copa

Em meio à indignação provocada pela repressão do dia 13 em São Paulo, o Brasil recebe no dia 15 de junho o jogo de abertura da Copa das Confederações, evento teste da Copa do Mundo de 2014. A presidente Dilma Rousseff é vaiada dentro do Estádio Mané Garrincha, em Brasília, palco da partida. Do lado de fora, há confronto entre algumas centenas de manifestantes e a cavalaria da PM do Distrito Federal.

No dia seguinte, na estreia do Rio de Janeiro como sede do torneio, do lado de fora do Maracanã, um novo confronto entre a PM e cerca de 500 manifestantes, que criticavam o volume de recursos usados para a Copa e cobravam mais verbas para educação e saúde.

Sepp Blatter e Dilma Rousseff
O então presidente da Fifa, Sepp Blatter, e Dilma Rousseff foram vaiados na abertura da Copa das Confederações. Foto: Getty Images

17 de junho – Megaprotestos se espalham pelo país

Enormes manifestações tomam conta do país, levando cerca de 250 mil pessoas às ruas em 12 capitais, no que foi considerado à época o maior movimento popular desde o impeachment de Fernando Collor em 1992. A noite do dia 17 foi palco de algumas das imagens mais emblemáticas das jornadas de junho de 2013, como a invasão do telhado do Congresso Nacional e a depredação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

São Paulo – Cerca de 65 mil pessoas saem às ruas na nova manifestação convocada pelo MPL. Após a má repercussão causada pela repressão do dia 13, a tropa da PM paulista se mantém distante da manifestação, que é acompanhada por apenas alguns oficiais da corporação que adotam uma linguagem conciliadora. Manifestantes entoam gritos como “o povo acordou” e “o gigante acordou”. “Saímos do Facebook”, diz um cartaz na manifestação.

A maior parte dos manifestantes participa de protestos pela primeira vez, expressando pautas que vão além do “passe livre”, cobrando melhorias em serviços públicos, reclamando dos custos da Copa e cobrando medidas para conter violência urbana e a corrupção (tema que recebeu atenção em 2012 com o julgamento do Mensalão).

Após se concentrar no Largo da Batata, a marcha se desloca pela Avenida Faria Lima, um dos principais centros financeiros de São Paulo. Das janelas e das portarias dos prédios comerciais, pessoas aplaudem os manifestantes e gritam palavras de apoio.

Após atravessar a avenida e a ponte estaiada sem incidentes, parte do protesto chega ao fim em frente ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo, enquanto outro grupo segue para a Paulista. A PM finalmente intervém quando alguns black blocs derrubam o portão e invadem os jardins do palácio.

Rio de Janeiro – Cerca de 100 mil pessoas ocupam a avenida Rio Branco, no centro da capital fluminense. O protesto carioca resulta em cenas violentas, que acentuam um caráter de radicalização do movimento. Manifestantes investem contra a sede da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), cercando o prédio e obrigando policiais a se refugiarem no interior. Lojas da região são saqueadas, e agências bancárias acabam destruídas. Alguns PMs fazem disparos de fuzil para cima numa tentativa de dispersar a multidão.

Brasília – Cerca de 10 mil pessoas protestam em Brasília. Apesar de menor em comparação com outras cidades, o protesto ganha destaque quando algumas centenas de manifestantes furam um bloqueio policial e invadem o telhado do Congresso Nacional.

Outras cidades – Manifestações com milhares de participantes também são registradas em Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Fortaleza, Belém, Vitória e Salvador, com pautas diversas como cobrança por mais investimentos em serviços públicos e combate à corrupção.

Mídia freia críticas – Antes com uma postura crítica às manifestações, alguns veículos de imprensa passam a mudar sua abordagem, focando no novo leque de pautas que surgem nas ruas. A revista Veja estampa em sua nova capa: “A revolta dos jovens. Depois do preço das passagens, a vez da corrupção e da criminalidade?”.

Leia o restante da cronologia no site da DW

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