segunda-feira, 7 outubro, 2024
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Primavera Romana (IV): Padres e bispos estão emagrecendo

Dom João de Aviz
Dom João de Aviz

Eis mais alguns flagrantes de minha recente ida a Roma, de 26 de abril a 2 de maio. É olhar muito pessoal em torno de aspectos da Cidade Eterna.

Procuro fugir dos clichês descritivo-turísticos ou meras ‘memórias’ de viagem:

Meu reencontro com Roma, é certo, ficou muito centrado no Setor Histórico da cidade. Para mim, isso é o que importou, o que não impediu que tivesse uma larga visão da cidade a partir de gente do mundo todo que por lá deambula ou passa boa parte de sua vida em atividades permanentes, empresariais ou empregatícias.

E os flagrantes refletem contatos que tive com italianos.

É o caso do S., romano, um dos donos de “Chiave”, uma loja de presentes e variedades, estilo ‘souvenirs’, mercadorias que fogem à média das ‘lembranças’ encontradas em lojas populares. São de boa qualidade. Fica em espaço amplo, em esquina privilegiada, na Torre Argentina.

A primeira surpresa vem com o fato de o empresário, de saída, me identificar como brasileiro, mesmo falando inglês com ele. O motivo, explica-me: eu deixara escapar a palavra ‘massa’, quando me referi a spaghetti. Isso foi o suficiente para que ele me falasse do Brasil com certa intimidade, em bom português.

Foi casado por 15 anos com uma brasileira, que vive na Itália, “ainda minha amiga e com quem converso sempre em sua língua”, explica-me. Não tiveram filhos, explica.

E a cidade ecológica?

S., o empresário, quer saber de Curitiba, se a cidade continua fazendo jus ao título de Capital Ecológica.

Respondo-lhe com toda franqueza, reconhecendo nossas perdas nesse terreno nos últimos anos.

Quando estávamos abordando Curitiba – em bom português – chega uma cliente, meia idade, que, enquanto espera para ser atendida vai lendo um exemplar do ‘Le Monde’ que eu havia deixado sob o balcão.

Ela conversa com S, o empresário, sobre uma das análises na primeira página do jornal francês, naquela edição: ‘quem vai pagar a Roma certas contas com a festa das canonizações, como as com hospedagem e deslocamentos das dezenas de delegações de vários países vindas à cidade para as celebrações?’

Diz que não vira o tema debatido na imprensa italiana, só ali, no “Monde”, tal como aparecia na primeira página daquela edição de terça-feira.

Ao saber que o jornal era meu, e que o assunto não era do conhecimento de S., ficou surpresa que eu pudesse falar francês e ler na língua de Molière. “Especialmente porque o senhor vem do Brasil”, observou a mulher, com isso revelando uma ponta de preconceito resistente com nações em desenvolvimento.

Mais surpresa ela ficou ainda quando lhe contei que no Colégio Estadual do Paraná, na minha mocidade (anos 50s), o ensino do francês compreendia os quatro anos do ginásio e três do Clássico, com 3 aulas semanais…

(Que falta fazem mestres como Maria das Dores Wouk, Jamile Kury, Vítola…).

As lojas para clérigos

Depois, sem tempo para procurar nos grandes magazines por um suéter (o Inverno está chegando em Curitiba,

Barbiconi
Barbiconi

pensei), e já sabendo que o meu tamanho XXL não é fácil de achar, tomei uma decisão que – disse para mim mesmo – “é duplamente sábia”: Parti em busca de uma casa que vende roupas para clérigos e objetos a religiosos católicos. Seus maiores clientes são padres e bispos do mundo todo, além de fiéis da orbe toda.

Elas são dezenas em Roma.

O porquê do procurar por meu manequim numa casa dedicada a vender também roupas para padres e bispos (e, às vezes, a papas)? Simplesmente porque aceitei – tal como fizera a senhora francesa citada – o estereótipo de que padres, na Itália e Estados Unidos (dos States vêm os maiores clientes dessas lojas especializadas) seriam, em geral gordos, gente extra-large…

Assim, preconceituosamente, parti em expedição, em busca de “casa de roupas e paramentos para padres”, como eu mesmo comecei a mencionar o tipo de comércio que procurava, ao pedir informações.

Fui direto, ali mesmo, perto da “Chiave”, no Setor Histórico, à Ghezzi, localizada numa quadrilátero de casas voltadas ao comércio de produtos sacros. Acho que é a mais conhecida de Roma na sua especialidade.

Fecham ao meio-dia

Na Ghezzi, nenhum resultado: a loja estava fechada, “para almoço”, deveria voltar lá pelas 14h30 min.; em seguida, vou à Ritti, onde nada de achar o suéter e o blusão, que seriam minhas únicas compras pessoais em Roma.

O vendedor derruba um dos estereótipos que eu formara de sua possível clientela: “Não trabalhamos com esses tamanhos grandes…”. Sugere-me que vá à Barbiconi, quadras adiante, explica-me como chegar àquele tradicional ‘espaço do sagrado’.

Na Barbiconi, ao contrário do que ouvira falar, os preços pareceram-me justos e adequados a um orçamento apertado.

O vendedor jovem que me atende, mistura italiano com um inglês aceitável para um bom diálogo básico.

Ele põe definitivamente por terra minha associação com o sacerdócio católico segundo a qual nele se encontraria um grande número de gordos:

– O maior tamanho que temos é esse, o XL, prove-o, diz-me, esclarecendo:

– Só trabalhamos com a cor preta, nada de cinza, muito menos outras.

O vendedor mede-me dos pés à cabeça. Para, por um átimo de tempo, contemplando meu chapéu preto, parece nisso identificar-me como alguém das hostes sacerdotais ou religiosas. Só impressão, é claro. E passa sua opinião profissional:

– Não sei se os padres emagreceram ou se as novas gerações de padres e bispos não correspondem ao velho modelo de uma certa obesidade com que usualmente foram retratados. Fato é que vendemos bem. E não vamos além do XL, raramente chegamos ao XXL…

Como atender a Dom João

E mais: Sem ares sapienciais, muito menos de que estivesse descobrindo novas realidades em seu comércio, cravou:

– É certo, no entanto, que há ainda muitos bispos e padres italianos com manequins XXL. Acho que eles resolvem o problema de tamanho com seus próprios alfaiates locais. E os americanos e alemães, especialmente eles, têm alfaiatarias especializadas em trajes clericais, muitos dos quais servem também para ministros protestantes, como os clergymen.

Um jovem padre de Ruanda, África, estudante de Moral no Lateranense, uma das universidades pontifíciais de Roma, a tudo ouve. Numa feliz intervenção, dirigindo-se a mim, sai-se com essa:

– Onde será que dom João Braz de Aviz compra suas roupas?

Explico: Dom Braz de Aviz, catarinense criado no Paraná, que se formou no Studium Theologicum de Curitiba, deve pesar entre 120 a 130 quilos.

Ele é o poderoso cardeal que, no Vaticano, preside a Congregação (espécie de Ministério) da Vida Religiosa. Decide sobre os destinos das congregações religiosas católicas e institutos de vida consagrada.

É um cardeal literalmente de peso.

(segue na próxima edição)

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