Por Sandoval Matheus – A mexicana Julia Pastrana viveu apenas 26 anos, o suficiente para ter uma das existências mais miseráveis já concedidas a um ser humano. Apesar de brilhante e poliglota, com talentos de cantora e dançarina, nasceu com uma doença rara, a hipertricose terminal – tinha o maxilar pronunciado, e o rosto e o corpo cobertos por pelos grossos.
Desde pequena, foi tratada como a “mulher macaco”, enfiada em jaulas, vendida, comprada, arrastada por diferentes continentes como atração de circo. Não teve paz nem mesmo depois da morte: o corpo, embalsamado, continuou a ser exibido por mais de 150 anos, ao lado do pequeno caixão do filho, que tinha a mesma condição genética dela.
Foi só em 2013 que ambos foram finalmente trazidos da Noruega e enterrados em Sinaloa, terra natal da mãe. A história de Julia Prastana é o ponto de partida de “Monga”, espetáculo criado, interpretado e dirigido pela cearense Jéssica Teixeira, que recentemente venceu o Prêmio Shell por conta do trabalho.
“Pra escrever ‘Monga’, passei por muitas perturbações mentais. E vejo que isso também fica nas pessoas que assistem ao espetáculo”, avisou a diretora em entrevista coletiva na manhã desta terça-feira (25), na Sala de Imprensa Ney Latorraca, no Hotel Mabu.
A peça está em cartaz na Mostra Lucia Camargo e faz parte de uma trilogia iniciada com “E.L.A”, que também esteve na programação do Festival, em 2024. Posteriormente, “Monga” já tem previsão de estreia em países como França, Alemanha, Itália, Suíça e Portugal.
“Em ‘E.L.A eu me reconhecia como uma pessoa estranha. Em ‘Monga’ dei uns passos à frente, estou dizendo que essa visão não é mais minha, é de vocês”, explicou Jéssica, uma pessoa portadora de deficiência, e que explorou a própria condição física na primeira montagem da série.

“Eu não reproduzo as violências que a Julia Pastrana viveu, não entro em uma jaula. O que eu quero é promover uma catarse de comunhão, trazendo o mínimo de dor e ressentimento possível.”
A autora reconhece que o Prêmio Shell, a mais importante honraria do teatro brasileiro, foi um bom empurrãozinho para ajudar a “furar a bolha”. E a preocupação em chegar a um público pouco familiarizado com as artes cênicas vem desde “E.L.A”, que utilizava uma linguagem simples, de frases curtas – “mas sem ser didática” – para, entre outras coisas, tentar capturar a atenção de adolescentes.
Com a peça, Jéssica passou cinco anos circulando, por exemplo, por escolas de periferia e colégios militares. “Eu queria que eles vissem no palco uma figura que aponta outras formas de beleza, de saúde, de feminilidade.”
Desmontar certas ideias fixas, no entanto, pode ser muito difícil, até mesmo para quem está no proscênio. “Às vezes eu penso: será que estão me contratando por ser uma artista massa ou porque sou uma pessoa com deficiência, pra preencher uma cota?”