Por André Nunes – É chover no molhado apresentar as credenciais de Dalton Trevisan, o famoso contista, um dos maiores da nossa língua, Vampiro de Curitiba que nos deixou em dezembro do ano passado, às vésperas de completar 100 anos. A data acontece no próximo 14 de junho, que coincide com a temporada de Daqui Ninguém Sai.

Lina Sumizono – que fez os registros desta crítica, bem como dos bastidores, ensaio e camarim – e eu fomos conferir a primeira sessão desse retorno, na sexta-feira 23 de maio. A expectativa era grande, afinal a montagem dirigida pela icônica Nena Inoue estreou no Festival de Curitiba com duas sessões lotadas.

Antes de partir para a resenha, o serviço: as apresentações de Daqui Ninguém Sai acontecem entre 23 de maio e 15 de junho, às sextas-feiras e sábados, às 20h30, e domingos, às 18 horas. Os ingressos vão de R$ 10 a R$20.
O Dalton que (pouco) conheço

Vim morar em Curitiba pela primeira vez em 2006, cursava o primeiro ano do ensino médio. Após um rápido retorno para minha São José dos Campos da infância (onde concluí o segundo grau), me estabeleci em definitivo na Terra de Guairacá desde 2009. Lá se vai metade da minha vida.
Digo isso para contextualizar que, em 2006, foi quando conheci a obra de Dalton Trevisan, nas aulas de literatura. Não cheguei a ler nenhuma delas (falha minha), mas me lembro de alguns aspectos marcantes de seus contos: a Curitiba nua e fria, os tipos humanos característicos, um universo realista, até marginalizado, totalmente fora da visão ufanista da capital que muitas vezes se vê (e propaga) por aí.

Nesse sentido, apesar de simplista, pra mim sempre foi nítida uma semelhança entre a obra do Vampiro e a de Nelson Rodrigues, tão lembrado por seus romances e crônicas que retratam “A vida como ela é”.
Antologia teatral
Daqui Ninguém Sai, enquanto proposta de antologia teatral da obra de contos e cartas do Vampiro de Curitiba, faz um enorme serviço a quem desconhece seus escritos. Igualmente a quem é seu leitor e fã. Impossível sair incólume do teatro ao presenciar cenas musicais e diálogos cortantes, da tragédia de Maria Bueno até Sulamita, incrivelmente vivida por Laís Cristina – jovem revelação do teatro curitibano.

Da mesma forma, Sidy Correa é um dos destaques dentre o elenco masculino, dando vida a tipos machistas de curitibanos de outrora, mas que infelizmente seguem atuais. A produção do Teatro de Comédia do Paraná (TCP) se completa com o brilho em cena dos atores Carol Mascarenhas, Fábyo Rolywer, Madu Forti, Paula Roque, Paulo Chierentini, Trava da Fronteira, Val Salles, Wenry Bueno e Zeca Sales.

O espetáculo ainda conta com equipe técnica experiente, com iluminação de Beto Bruel, figurinos de Verônica Julian, cenografia de Carila Matzenbacher e trilha original de Grace Torres e Lilian Nakahodo, além de Babaya na preparação musical da peça. Aliás, o aspecto musical é outro atrativo à parte, que embala as cenas. O brado “Ninguém é dono de Maria!” fica na cabeça do público após o fim do espetáculo.

Como parte do panteão dos grandes escritores da humanidade, Dalton Trevisan mescla o provinciano com o universal, o dia a dia com o existencialismo, a marginália com o ufanismo paranaense. Ao falar de sua Curitiba, em que viveu por 99 anos e da qual escreveu por oito décadas, o Vampiro projeta sua obra para a posteridade tal como seus amigos de correspondência, Carlos Drummond de Andrade e Otto Lara Resende. Evoé, Dalton!

Serviço: “Daqui Ninguém Sai”
- Apresentações: 23 de maio a 15 de junho
- Horário: às sextas-feiras e sábados, às 20h30, e domingos, às 18 horas
- Local: Auditório Salvador de Ferrante (Guairinha). A entrada do público será pela pela Rua Amintas de Barros. Pessoas com deficiência motora ou dificuldade de locomoção podem entrar pelo saguão do Guairinha.
- Classificação: 16 anos
- Ingressos à venda a partir de segunda, 19 de maio, por R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada), na bilheteria do Centro Cultural Teatro Guaíra e pelo site DiskIngressos
- O espetáculo conta com intérprete de Libras