Rolando González-José é biólogo e dirige o Centro Nacional Patagônico (Cenpat) do Conicet, localizado em Puerto Madryn, Chubut, mas não estuda as baleias, nem a fauna marinha. Seu objeto de estudo é a espécie humana e está dando os primeiros passos para um estudo avançado: a realização de uma amostra de referência dos genes da população argentina, útil para o estudo de enfermidades. Como diretor do Cenpat, procura retirar as disciplinas científicas de seus compartimentos fechados para que formulem novas perguntas, que contribuam para a solução de problemáticas concretas.
A entrevista é de Ignacio Jawtuschenko, publicada por Página/12, 04-02-2015
…Porém, as mudanças biológicas são mais lentas que as mudanças de hábitos ou costumes…
Uma das características da evolução cultural é que é muito mais rápida em termos de mudanças que a biológica. Para que haja uma mudança genética é preciso esperar que nos reproduzamos, porque se mede em unidades geracionais. Porém, a evolução cultural é horizontal e é cada vez mais rápida.
Poderia dar outro exemplo de relação entre cultura e genes?
Sim, a relação entre a malária e a anemia falciforme. A malária é uma enfermidade de origem ecológica, ligada à agricultura na África e na bacia do Mediterrâneo. A anemia falciforme é uma enfermidade de origem genética, que é basicamente uma má-formação dos glóbulos vermelhos que transporta mal o oxigênio. As populações que mais sofrem a anemia falciforme estão localizadas na bacia do Mediterrâneo e na África. Caso se faça um mapa disso, coincide com os lugares onde mais a malária causou impacto, portanto, com populações com uma longa experiência genética de resposta e de resistência à malária. É muito interessante porque estas pesquisas são multidisciplinares, envolvem a geneticistas, geógrafos, antropólogos e médicos. A história é circular, pode-se começar a contá-la de qualquer parte da mesma. Note, no momento em que os africanos e as populações do Mediterrâneo começam a desenvolver a agricultura utilizam um sistema de barreira que consiste em queimar uma parte da mata. As cinzas geram um solo fértil e aí domesticam plantas. Contudo, o regime de precipitações do local se transforma e aumentam os olhos de água e lagoas. A mata já não absorve e aumenta a população de mosquitos vetores de enfermidades. A hipótese é que os mosquitos têm uma grande explosão demográfica com a invenção da agricultura na África e no Mediterrâneo, o que aumenta a taxa de transmissão da malária e muita gente começa a morrer de malária.
E nesse contexto há alguns que resistem. No genoma dos que resistem, como lastro genético, há genes que geram uma anemia falciforme. Então, uma enfermidade do século XX é resultado da resistência de uma enfermidade da Idade Média: diálogo entre genética e cultura.
Qual é o seu tema de trabalho atual?
Junto a outros colegas estou tentando desenvolver uma amostra de referência da população argentina, porque a Argentina não possui amostra representativa de referência de sua população.
Trata-se de um banco genético?
Sim, semelhante. Hoje não temos aonde ir para buscar uma amostra representativa das dinâmicas de mestiçagem que ocorreram nas diferentes regiões do país. Uma amostra é útil para estudar, por exemplo, o câncer de mama, uma enfermidade que evolui de modo distinto, no sentido clínico, caso a mulher tenha ou não genes ameríndios. Se é de ascendência puramente europeia possui mais probabilidade de sofrê-lo. Mas, não é só isso, a resposta à quimioterapia e a evolução da enfermidade também é diferente. O avanço tecnológico faz com que para encarar políticas públicas sobre essas enfermidades seja necessário ter um conhecimento muito acabado dos genes da população. Para isso é necessário um grande investimento. Nós, como pesquisadores, estamos conversando com as autoridades, explicando que nosso sistema científico-tecnológico está o suficientemente robusto para fazer isto, com capacidades humanas e técnicas.
E do que se trataria?
De recolher nas ruas uma amostra de referência da população argentina, com fins biomédicos, para colocá-la à disposição dos que estudam enfermidades, para que comparem a variante genética que estão vendo em seus pacientes com a população geral.