PUGLIELLI REVISITA TEMPO ÚNICO DA MÍDIA
Hélio de Freitas Puglielli, 73, não é só um dos nomes mais significativos da imprensa (mídia impressa, lato sensu) do Paraná do século 20 e deste.
Vem também de uma sólida tradição familiar jornalística, com avô, Rodrigo de Freitas, e o tio João DeDeus Freitas Neto, como significativos exemplares de jornalistas paranaenses.
Na verdade, eu não conheço outro jornalista local, afora Roberto Mugiatti, com tão sólida formação humanística como a de Puglielli.
Por 45 anos Puglielli fez de tudo em jornal, dedicando mais tempo às especiais funções de editorialista de jornais como O Estado do Paraná, Gazeta do Povo e Indústria e Comércio. Tão importante quanto isso foi sua ação como professor dos cursos de Comunicação Social da PUCPR e da UFPR.
Ajudou a formar (e fez muito bem sua parte) gerações de profissionais.
Esses dados servem para introduzir a colaboração à memória do jornalismo paranaense que a coluna começa a publicar, com o depoimento que segue de Hélio de Freitas Puglielli. Uma preciosidade:
VELHA REDAÇÃO DE JORNAL OU EL CID ASSUSTADOR
Agora que “O Estado do Paraná” deixou de circular, resta, entre outras recordações mais sóbrias, a memória de alguns episódios jocosos, absolutamente impossíveis de acontecer nas modernas redações. Estou falando da velha redação de “O Estado”, num sobradão de três andares, à Rua Barão do Rio Branco, entre André de Barros e Visconde de Guarapuava.
Foi a segunda sede do jornal; a primeira havia sido na Praça Osório, onde não cheguei a trabalhar. E, entre os momentos de trabalho, algumas diversões absurdas. O protagonista que deflagrava essas situações chamava-se Milcíades Zimmermann, da terceira geração de uma linhagem de gráficos teuto-brasileiros, responsáveis pela montagem das oficinas de vários jornais paranaenses, há muitos anos desaparecidos. Até por uma questão de DNA, portanto, o “Cid” (a maioria ignorava o seu nome real) era o especialista na manutenção e conserto das máquinas do jornal. Gênio da mecânica, conservava tudo tão bem que tinha tempo de sobra para se divertir. Do jornal não podia se afastar, em plantão enquanto a oficina estivesse funcionando.
1. Para passar o tempo, não havendo nada a fazer, subia no forro da sala de revisão, para assustar os que ali trabalhavam com estranhos ruídos.
2. Uma vez invadiu a redação com um enorme tubo de gás e, abrindo o registro, dava “tiros”, com estampidos semelhantes aos de uma arma de fogo. Nunca estive num tiroteio, mas, quando dei conta de mim, estava debaixo da mesa, num inesperado reflexo com o qual me surpreendi.
3. “Macaqueou” o eixo traseiro do carro novo do secretário do jornal (naquele tempo a tração era sempre traseira), fazendo com que os pneus ficassem alguns milímetros acima do solo. Foi um desespero acelerar, acelerar, e o carro permanecer imóvel. Cid acorreu e, só depois de alinhavar mil e uma hipóteses, sobre problemas um pior que o outro, revelou tratar-se de um trote.
TRADIÇÃO TEUTO-BRASILEIRA
4. Na semana seguinte, perito em abrir fechaduras e fazer ligação direta, colocou o mesmo carro estacionado em outro quarteirão e só revelou o que tinha feito quando o prejudicado ia dar parte na polícia.
5. De prótese nova, se alguém estivesse desatento, Cid depositava a rósea dentadura em cima da máquina de escrever, provocando engulhos nos estômagos mais delicados.
6. Uma bela noite veio com uma cobra d’água, que depositava sub-repticiamente na mesa dos redatores. Quem mais se assustou foi o mineiro Ildeu (posteriormente seria juiz do trabalho), pálido e hirto quando percebeu que a suposta cobrinha de plástico mexia-se e punha a linguinha de fora. Aliás, se na época existisse legislação protetora de fauna, como atualmente, Cid teria sido punido: levava a cobra no bolsinho da camisa e, com o transcurso dos dias, o pequeno réptil ia ficando cada vez mais grogue e desmilinguido (acho que até cachaça o Cid dava pra cobra que, afinal, ganhou destino ignorado).
O ROUBO DA MATÉRIA
7. Numa das frequentes invasões da redação, Cid “roubou” a matéria urgente que estava sendo reclamada pela oficina e, aí, foi demais: todos nós, redatores, saímos correndo atrás dele, enquanto o “seu” Antonio (uma espécie de “factótum” do setor de limpeza) bradava alto, em tom abaritonado pela birita: “capturem-no”!
Depois desse “capturem-no”, passamos a suspeitar que o faxineiro andava lendo nossos editoriais.
(OBS.: Cid era irmão dos também gráficos Mozart e Osmar (Xiquinho, com “xis” mesmo era como ele se assinava). Estes dois outros Zimmermann não eram dados a brincadeiras de mau gosto.)
(PROSSEGUE)