quinta-feira, 29 maio, 2025
HomeColunas do MuralMarcus Gomes: A pior profissão do mundo

Marcus Gomes: A pior profissão do mundo

Por Marcus Gomes* – Parece um paradoxo. Em uma época em que a demanda por notícias parece crescer em escala geométrica, a profissão de jornalista amarga uma crise que a coloca no alto das piores profissões do mundo. Ó vida.

É cômico. Todos os anos, o site norte-americano Career Cast faz uma pesquisa para avaliar quais são as carreiras menos promissoras nos Estados Unidos. Adivinhe quem é o Top Ten? Um doce para quem respondeu jornalismo. Seguido de ofícios como lenhador, militar e cozinheiro.

Aqui no Brasil, duas mil profissões foram analisadas e, desta vez, o jornalismo ocupou o quarto lugar. Parece um ufa? Nem tanto. Ficamos atrás dos motoristas de ônibus, dos entregadores, dos ajudantes de cozinha e dos atendentes de telemarketing.

A onda de home-office, inaugurada com a pandemia, enfileirou outro problema: o da digitalização dos processos de trabalho. Não se tratava mais da função, mas da vida remota que trouxe a “fadiga do Zoom” e a dificuldade de separar a vida pessoal da profissional. Revelou-se que o trabalho em casa pode ser ainda mais estressante quando o profissional está sujeito à conectividade constante e ao turbilhão de informações.

No caso da imprensa, a explicação dos especialistas é a seguinte: se os jornais migraram para a internet por motivos econômicos, um jeito fácil de produzir informações foi dispensar profissionais do ramo. Em seu lugar entrou um qualquer equipado com celular, mídia social, canal de notícias 24 horas e… o site do concorrente. É a mais pura verdade. Por isso as notícias exclusivas ou os furos estão por um fio de se tornarem mito ou lenda urbana.

Quem é do tempo do computador jurássico e do bloco de notas se sente desamparado. Mas a pior dor mesmo é a do desemprego. O jeito é virar assessor de imprensa, essa distorção do jornalismo em que, diferente das regras básicas da profissão, é preciso ter um lado. O lado do contratante. Escusas a todos e ó vida.

Depressão não é sinônimo de vagabundagem

Ricardo Boechat

Foi o jornalista Ricardo Boechat, falecido em 2019, o autor de um depoimento que ganhou as redes. Tratava de sua depressão. Foi um ato de coragem. Apesar da doença ser a que mais cresce no mundo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão ainda é tratada como fricote ou sinônimo de vagabundagem. O INSS dificulta a aposentadoria ou o afastamento àqueles que sofrem de algum tipo de transtorno mental. A justificativa é aquela mesma do leigo: não é doença, é outra coisa.

No filme “Thanks for Sharing” (“Terapia do Sexo” no Brasil), Gwynett Palthrow se queixa do namorado Mark Rufalo por ele não ter lhe contado sobre sua depressão. Ele responde: “Há um preconceito contra minha doença. Um câncer traz afeto. Uma depressão traz julgamento”.

É a mais pura verdade. Boechat talvez tenha decidido revelar sua doença porque era um homem de rádio e TV, conhecido em todo o país. Mas transfira isso para outra pessoa. Um anônimo por excelência.

Um amigo próximo descobriu a doença há alguns anos. Os sintomas que apresentou geraram uma internação, uma tentativa de suicídio fracassada (e algo teatral) e, por fim, o repúdio de seus familiares. Boechat revelou que seus primeiros sintomas foram uma aflição severa, um abismo mental, um surto agudo, uma crise de pânico que lhe pareceu um ataque cardíaco e a sensação de estar morto estando vivo.

Este amigo passou por momentos parecidos. Só a atenção de médicos e uma série de exames determinaram a doença. A resposta é química. Não se fica depressivo por magia. Há uma sequência de fatores externos e internos determinantes, como o estresse e a ausência de neurotransmissores responsáveis, por exemplo, pelo bem-estar, pela vigília e pela qualidade do sono.

Meu amigo é um lutador. Apesar da depressão abissal, ele a enfrenta todo dia: trabalha, estuda, lê, escreve, mas a dor lhe é excruciante. A receita para mitigar a doença, como afirmava Boechat, está nos remédios, sem dúvidas, mas também na compreensão, na paciência e no carinho. Não adianta devolver com rudeza aquele que já está minado em sua confiança e autoestima.

À minha volta há tantos que agem assim. É difícil compreendê-los. O que fazer? Esconder a doença? Não tratá-la? Torná-la clandestina? Boechat dizia que não. “Todo silêncio de quem sofre e de quem está à sua volta dificulta a recuperação”.

*Marcus Gomes é jornalista e advogado. Escreve sobre política, direito e assuntos do dia a dia.

Leia Também

Leia Também