Por Diego Antonelli* – publicado no livro “Paraná: Uma História” (Arte & Letra, 2016) – Ao embarcar no navio Fides, na Antuérpia (Bélgica) em dezembro de 1846, Jean-Maurice Faivre viu seu sonho de construir uma sociedade igualitária, nos moldes do socialismo, ganhar contornos de realidade. Ao lado de 63 franceses, encarou 52 dias de viagem até chegar ao Porto de Antonina, no litoral do Paraná. O grupo subiu toda a Serra do Mar a pé e a cavalo. Passou por Ponta Grossa abrindo caminho pela densa floresta da região.
O destino? As margens do Rio Ivaí. Após muita dificuldade, suor e cansaço, o médico e filósofo francês achou ter encontrado o ponto ideal para iniciar sua aventura. Faivre só não esperava que índios caingangues que habitavam os Campos Gerais os perseguissem. Acossados pelos nativos, Faivre e seus conterrâneos optaram por seguir até a confluência entre os rios Ivaí e Ivaizinho para construir, finalmente, uma colônia denominada por ele de franco-brasileira.
Atualmente um distrito do município de Cândido de Abreu, a colônia Tereza Cristina foi o primeiro modelo de cooperativismo instaurado no país, inspirado nos ideais socialistas utópicos de Saint Simon e Charles Fourier. Para colocar o plano em ação, Faivre também não relegou os preceitos cooperativistas de Robert Owen.
Em 1847, a Vila Agrícola Tereza Cristina, finalmente, saía do papel. O grupo de franceses limpou a mata, construiu as primeiras moradias e preparou o terreno para o plantio de café, baunilha, algodão, milho, trigo e cana-de-açúcar. Os moradores residiam ao lado direito do rio, que hoje pertence a Cândido de Abreu; do lado esquerdo, onde hoje é Prudentópolis, plantavam. “A qualidade da terra naquela localidade era melhor. Eles atravessavam o rio de canoa para trabalhar no campo”, conta o pesquisador Josué Corrêa Fernandes.
Faivre escreveu avisos para disciplinar o uso da terra, que era coletivo, e a convivência entre os moradores. Mas grande parte de seus conterrâneos não se adaptaram ao sistema e abandonaram o local em aproximadamente um ano.
Mesmo com a debandada, Faivre seguiu firme na proposta de implantar uma sociedade igualitária, sem espaço para escravidão e individualismo. Apesar de não se denominar socialista ou anarquista, ele foi um dos precursores em colocar esses ideais na prática no Sul do Brasil.
Na colônia, todos deveriam trabalhar em prol do espírito solidário. Para ele, com as pessoas atuando unidas, as necessidades seriam supridas sem que um fosse mais rico que outro. “A busca era por uma sociedade justa e igual”, salienta o pesquisador.

À frente do seu tempo, colônia não admitia escravidão Quatro décadas antes de a Lei Áurea ser publicada, em 1888, o médico francês Jean-Maurice Faivre entrou em acordo com a corte imperial para que a lei que permitia a escravidão não vigorasse dentro da colônia. “O escravo que entrasse ali automaticamente estava liberto”, conta o pesquisador Josué Corrêa Fernandes.
Isso se explica pela sua proximidade com a corte que comandava o Brasil no século 19. Nascido em 1795 em uma pequena comunidade rural francesa, Faivre cursou medicina e migrou para o Brasil em 1826 para atuar no Hospital Militar da Corte. Aqui, foi um dos fundadores da Academia Nacional de Medicina. Faivre realizou o primeiro parto da esposa do imperador dom Pedro II, a imperatriz Tereza Cristina, e logo se tornou médico de confiança da imperatriz. Ganhou do imperador duas comendas (Ordem de Cristo e Ordem da Rosa) por pesquisas sobre a hanseníase.
Foi Tereza Cristina quem ajudou Faivre a montar a colônia. Fernandes relata que “provavelmente ela e dom Pedro II acreditaram na proposta de Faivre e contribuíram para que ele construísse sua utopia”. Com ajuda de 20 contos de réis do casal imperial, ele foi à França para convencer 25 famílias – com um total de 63 pessoas – e dar início à saga da colônia. Em homenagem à imperatriz, Faivre batizou seu sonho particular com o nome dela.
A morte
Por 11 anos, Faivre liderou uma utopia testada na prática. Ela terminou com sua morte, em agosto de 1858, aos 63 anos. Sem Faivre, a colônia ainda tentou resistir por mais dez anos. Seu sobrinho, o engenheiro Gustavo Rumbelsperger, assumiu a liderança do reduto. Mas o sonho da colônia socialista naufragou. Aos poucos, as pessoas se desiludiram com a experiência e optaram em sair da colônia e tentar a sorte em outras cidades.
Legado
Além de pregar a igualdade e o desprendimento material, Faivre teve grande importância na colonização do interior do Paraná. “Ele abriu as primeiras clareiras de civilização no interior, ‘desvendando os sertões’ do nosso estado”, ressalta o pesquisador Josué Corrêa Fernandes. Faivre também abriu estradas para passagem de carroças da colônia até Ponta Grossa e Guarapuava.
*Diego Antonelli é jornalista e escritor, reconhecido por seu vasto trabalho no jornalismo histórico e etnográfico no Paraná. Formado pela UEPG com mestrado pela UFPR, Diego é especialista em contar a história do Paraná, suas culturas e povos imigrantes. Autor de 16 livros.