quarta-feira, 11 setembro, 2024
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Comunidade indígena garante uso provisório do Parque do Mate

Plantear UFPRIndígenas da Aldeia Kogun Já Má podem comemorar. O Ministério Público do Paraná autorizou provisoriamente o uso do Parque Histórico do Mate, em Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba. Essa era uma reivindicação antiga para garantir condições de ocupação para o período em que realizam comércio em Curitiba e região, o que se traduz na pauta de Casa de Passagem Indígena e no direito de permanência no terreno.

O espaço poderá ser utilizado para moradia e promoção de atividades culturais e artesanais pela população indígena da cidade. A assinatura do termo de uso do espaço tem caráter provisório. Situado no bairro Rondinha, próximo às margens da BR 277, o espaço do Parque Histórico do Mate e do Museu do Mate remonta a 1806. Desde 1978 funcionava como museu, sendo que em 1985 o Engenho de Mate foi tombado pelo Patrimônio Histórico Estadual.

Antes da chegada dos indígenas, o espaço encontrava-se em situação de abandono. Em 2011, foi fechado para visitação e entre 2014 e 2021 o Parque e o Museu passaram da administração do Estado do Paraná para a prefeitura de Campo Largo, a qual manteve o estado de abandono das instalações. Desde 2022, dez famílias da etnia Kaingang habitam o Parque e, por iniciativa própria, vem realizando melhorias nas instalações. A permanência no imóvel tem como objetivo, além da moradia, ressignificar socialmente o espaço e dar início à promoção de atividades culturais, comercialização de artesanato e a manutenção das atividades de interesse histórico sob o ponto de vista indígena.

Além da autorização de uso, o termo prevê a obrigação de preservação do patrimônio histórico e ambiental do local pelas famílias ali instaladas, bem como a manutenção da infraestrutura do espaço por parte do Estado do Paraná, com a cooperação do Município de Campo Largo.

Histórico indígena

Os povos originários afirmam que seriam, inclusive, melhores gestores do espaço em comparação com o desleixo das autoridades: “Se aqui fala de mate, então temos que trazer o nosso histórico indígena”, afirma Lucas, liderança local, referindo-se ao fato de que a cultura do consumo do mate é própria e oriunda dos povos originários. Lucas também reforça que o local poderia receber diferentes etnias, caso dos povos guarani, por exemplo.

A promotora de Justiça Mariana Andreola de Carvalho Silva, que atua na 1ª Promotoria de Campo Largo e acompanhou as tratativas, ressaltou que o estabelecimento do direito de uso aos povos tradicionais naquela área  “[…] é o primeiro passo para o desenvolvimento de projetos que pretendem o resgate da cultura indígena, bem como a revitalização do espaço para uso de toda a população paranaense”.

Luta histórica

No Paraná, existem apenas seis casas de passagem em todo o estado, geralmente com grande resistência das gestões municipais. Em Cascavel, por exemplo, o projeto, apresentado há mais de uma década, ainda não foi aprovado.

Já na capital, não existe garantia sólida. Havia uma Casa de Passagem, entre 2015 e 2020, desmontada durante a pandemia. Após protestos no final de 2021, houve uma transferência para um espaço provisório no bairro Rebouças, mas ainda não é o suficiente para a demanda dos povos indígenas da região, que exigem a abertura permanente da casa de passagem, com melhor infraestrutura

Mari Quixirrá Costa, indígena da etnia Jamamadi, do Acre, integrante em Curitiba do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), fortalece a luta pela consolidação da Casa de Passagem em Curitiba.

A liderança analisa a necessidade de cobrar do poder público que os espaços destinados à construção de casas de passagem tenham condições de água, saneamento, espaços sanitários – o que muitas vezes as gestões municipais não oferecem. “Tem que se cobrar esse direito nas negociações com a prefeitura”, aponta.

Atuação do Plantear

Reunião de trabalho do Plantear, da UFPR. Foto: André Nunes

O trabalho foi desenvolvido por intermédio de um grupo do qual o coletivo Plantear – extensão em Planejamento Territorial e Assessoria Popular da UFPR – fez parte, conforme explica o coordenador do Plantear, Marcelo Caetano Andreoli: “O Parque do Mate é uma vitória, a permanência deles nessa área, justamente porque é uma possibilidade de contar não só a história do Mate a partir do homem branco, mas principalmente, a partir de quem inicia efetivamente essa tradição de povos indígenas, que faz parte da cultura indígena, dos saberes indígenas.”

“O Plantear fez um estudo jurídico da área tentando entender de quem é essa área, como foi o processo de tombamento tanto do patrimônio construído, mas também do entorno. [A partir desse estudo], ficou claro uma série de incoerências e incertezas, o que deixa em aberto a possibilidade de uso compartilhado desse patrimônio histórico junto com essa população indígena. Nesse sentido, o Plantear também se estende para um segundo momento, que é pensar uma forma de ocupação que consiga garantir a permanência, uma coabitação, tanto do patrimônio quanto do uso habitacional indígena. E esse sempre foi o objetivo, que as coisas coabitassem. Então, a ideia é que essa área de fato seja destinada para os indígenas e que eles façam a gestão desse Parque, contando tanto o ponto de vista da história branca, mas também mostrando toda a tradição indígena a partir do Mate, construindo um território de troca cultural e de saberes para a população em geral”, finaliza.

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