Para que fique claro: como disse antes, DA não levou adiante experiência em TV no Canal 12. Mas, esclareço: no começo dos 1960, foi dono de duas horas semanais de programa ao vivo, “Dreher Convida”, com Vinicius Coelho, Adalgiza Portugal e eu, na TV Paraná, Canal 6, então dos Diários Associados. O Conhaque Dreher, patrocinador, tinha peso nacional de grande anunciante, sinal da importância de Dino Almeida na opinião pública.
Decidi que antes de abordar lances da vida de outros cronistas sociais nestas rememorações/etnografias que examinam a importância do colunismo de sociedade no jornalismo paranaense do século 20, deveria me deter um pouco mais em Dino Almeida. Isso porque DA não merece um corte abrupto num texto que, se não nasceu para fazer panegírico, também não poderia omitir momentos singulares de sua carreira. Assim, aqui você lerá algumas linhas de dois notáveis traços do DA: o do filantropo e do homem de televisão que fez sucesso mas, definitivamente, tinha seu projeto de vida mirado na mídia escrita.
Esses são dois momentos do perfil de DA que recupero de forma sintética com a maior fidelidade possível.
“VELHO PARANÁ”
Tal ampliação não pretende esgotar o tema DA, ele mesmo um capítulo inesgotável e todo particular na vida do Paraná, tal a forma como o mocinho da pequena Papanduva, Santa Catarina, se impôs na sociedade paranaense e se tornou aquilo que hoje conhecemos como “influencer”. E leve-se em conta que naqueles dias havia um peso impressionante das famílias do chamado “velho Paraná” na sociedade abrangente.
DA conquistou esse “velho Paraná”, sem problemas, num tempo em que mesmo a intelligentsia paranaense não tinha ainda deglutido bem a presença dos imigrantes europeus não ibéricos e seus filhos. Lembram-se do livro “Retrato Psicológico do Paraná”, de David Carneiro? Também eram dias em que Wilson Martins, paulista/paranaense, um germanófilo assumido, já se fazia, ao mesmo tempo, um nome nacional como crítico literário.
Para aqueles dias, e mesmo para ele, DA era apenas um cronista social em elaboração. Mirava-se e por vezes e até mimetizava Ibrahim Sued (de forma talvez inconsciente, acredito), paradigma de influenciador de um tempo em que a mídia impressa reinava absoluta entre os formadores de opinião.
E o rádio? O rádio era outra realidade, fazendo link nacional por meio da Rádio Nacional-Rio, emissora master que depois foi dividindo com as emissoras de Assis Chateaubriand, a começar pelas Rádios Tupi do Rio e Sampa. E, por justiça, há que citar a importância nacional da Rádio Clube Paranaense, PRB-2 que, passou por vários donos, foi da PUCPR e agora parece ter sumido.
NA RÁDIO COLOMBO
Na Rádio Colombo do Paraná instalada no Edifício Pugsley, então propriedade de Ronald Stresser e José Felipe Engler (o maior vendedor na área de mídia que conheci), dos Diários Associados (onde DA já trabalhava), Dino estava presente com notas e informes. Isso foi mais ou menos entre 1962/64, quando também o programa noturno de boa música, “Varig É Dona da Noite”, tinha audiência absoluta dos curitibanos. Um patrocinador de primeiríssimo time.
A Colombo, que depois iria para as mãos de Erwin Bonkoski, tinha enorme prestígio. Eu, por exemplo, muitas vezes observei, encantado, diante do desfile de celebridades, na Colombo quando lá trabalhei, a apresentação ao vivo de radionovelas.
Os atores, em pé, iam lendo seus papéis e, com cacoetes teatrais que jamais seriam observados pelos ouvintes, faziam gestos, mesuras e reverências para sublinhar frases. Tudo ajudado pela sonoplastia, aqueles barulhos indicadores de situações climáticas, pedidos de socorro, barulho de trem, relinchar de cavalos, tiros, chuvas, tempestades etc.
Nas radionovelas da Colombo astros e estrelas obrigatórios eram Ary Fontoura, Odelair Rodrigues, Lala Schneider, Sinval Martins. Se não me engano, também Jane Martins e Maurício Távora delas participavam. Acho que também o José Maria Santos. E se puxar bem pela memória, posso até “encontrar” naquele estúdio o insuperável Sale Wolokita com todo seu humor judaico e os “cacos” apropriados que adicionava aos “scripts”.
Ah, acabo de associar um fato: a ida de Ary e Odelair para o Rio, foi em 30 de março de 1964, o ator e atriz chegando na cidade sob toque de recolher decretado pelo início da ditadura militar.
PRIMEIRAS IMAGENS DE TV
DA foi, pois, um enorme influenciador em tempos em que nem se sonhava com Internet.
Quando ele estava começando em Curitiba, a televisão fazia suas transmissões piloto na Capital, a partir do Edifício Galeria Tijucas, na Boca Maldita.
Fui testemunha ocular: a “experiência” mostrava boa parte da cidade da área central mesmerizada pelo “fenômeno” que chegava a Curitiba, isso uns já 5 anos depois de a atriz pioneira, Vida Alves, mocinha de telenovelas pioneiras, ser entronizada como a musa da TV Tupi, em São Paulo.
Vale lembrar, para fiel composição de um retrato daqueles dias: entre surpresos e orgulhosos, curitibanos se postavam defronte às vitrines da Lojas Tarobá, inaugurando aqui a figura do “televizinho”.
Pedro Stier, o dono da loja, exultava por ser coparticipante daquele pioneirismo de Nagibe Chede.
Ao mesmo tempo, na TV Paraná, Canal 6, dos Diários Associados, Aluísio Finzeto – hoje nome de uma ampla via conectora a partir da Vila Hauer, em direção ao Centro – atraía grupos de aspirantes a futuros profissionais de TV a explicar-lhes alguns macetes que aprendera em cursos de rápida duração nos Estados Unidos.
Tinha um ar levemente pernóstico, não chegava a machucar o interlocutor. Mas encarnava aquilo que os franceses chamavam de “rempli de soi-même”.
Finzeto fora bolsista nos States, generosidade de Francisco Albizu, o cônsul honorário americano que, do já citado edifício Pugsley, Rua Marechal Deodoro com Monsenhor Celso, reinava com toda importância diplomática que Tio Sam lhe conferia, nos tempos da USAID. O Brasil era então apenas um país subdesenvolvido pelo olhar dessa USAID, agência ianque de apoio ao terceiro mundo.
Confesso que nunca entendi pelo menos um dos dogmas trazidos dos Estados Unidos por Finzeto, diretor artístico da TV Paraná: para ele, gravatas listradas e camisas idem estavam absolutamente vetadas em televisão, embora, lembro, a TV fosse toda em preto e branco.
“DREHER CONVIDA”
Aqui vai um “mea culpa”: no início desta série, disse que Dino teria ficado alheio ao fenômeno TV. Certo é que tal distanciamento ocorreu em relação ao Canal 12, o pioneiro.
Tenho de registrar: acho que em 1962, depois das “aulas” de Finzeto, DA me convidou e ao Vinicius Coelho e a Adalgiza Portugal para compormos com ele o programa “Dreher Convida”, patrocinado pelo conhaque Dreher, bebida então obrigatória especialmente para jovens de bolsos limitados e todas as pessoas não interessadas nas ressacas quase certas que viriam com a bebida.
A atração maior do programa era o próprio Dino, com seus ‘gossips’, as revelações de seu caderninho azul, e as magias que fazia diante das câmeras, como ao apresentar, em premonitória entrevista, um jovem recém chegado da França, Jaime Lerner, arquiteto fisgado pela sensibilidade de madame Garfunkel, avó materna de Mônica e Lucas Rischbieter, mãe de Fanchette, sogra de Karlos Rischbieter, esposa do pintor Paul Garfunkel.
Madame Hélène, grande mecenas, mandara Lerner aprofundar estudos em Paris.
Na porta da TV, Aramis Millarch, o jornalista que revelou JL à mídia nacional, apresentou-me Jaime, e nunca mais deixei de tê-lo como uma pérola de raro valor, uma dádiva de urbanista que conquistaria o mundo.
Alguém que a revista Time incluiria, anos depois, na sua relação dos grandes pensadores do século 20.
JUANITA TRAGICÔMICA
“Dreher Convida” era um programa de entrevistas com prata da casa e personalidades da vida nacional e internacional.
Dino, que nunca temeu concorrências no mundo jornalístico, nos dava irrestrita liberdade para trabalharmos as entrevistas que, hoje, seriam do tipo “talk shows”.
Se havia realidade que DA respeitava estava a da formação de seus colegas de jornal.
A mim me couberam, no começo de tudo, entrevistas com duas personalidades que elevaram minha autoestima e até me resultaram em cumprimentos entusiasmados de desconhecidos nas ruas: Juanita Castro, irmã de Fidel Castro, amaldiçoada pelo barbudo revolucionário, a qual ajudava a alimentar no mundo a oposição ao regime cubano; e padre Quevedo, que, muito depois, nos anos 1990, o país conheceu por seus quadros no Fantástico da Globo.
Juanita chorou, tinha um pouco de alma suspensa ao ombro, uma voz carregada de tragédias. Para mim, me lembrava algo da outra Juanita “la soltera”, de Lorca, pelo menos na dramaticidade com que se expunha (diante das câmeras).
Nunca duvidei, claro, de seu relato sobre o ‘paredón’ do irmão.
Chocaram-me, sim, as entonações tragicômicas de suas explicações. Foi a entrevistada com mais apurado sentido do trágico com que já me defrontei.
ROMPENDO COM O SOBRENATURAL
Um crítico de costumes como só ele, naqueles dias se iniciando como escritor ‘meio maldito’, carregado de inteligência e linguagem experimental, Valêncio Xavier, bom amigo, disse-me depois de assistir do estúdio do Canal 6 a um dos programas:
– O programa de vocês só falta ter focas amestradas…
– “Isso é o que chamo de diversidade”, respondi, sem poder discordar de todo de Valêncio.
Dino, teoricamente era cristão católico, mas também chegado a passes kardecistas de Maury Cruz, em Curitiba, apresentou-me o jesuíta Oscar Gonzalez Quevedo quase como um santo de sua devoção.
Eu fiquei eufórico com a ‘dádiva’ que DA me ofertava, pois já me envolvia, então, com estudos clássicos de Parapsicologia dita “científica”, tendo sido até aluno, do marista Irmão Vitrício (Henrique Rech), um dos pioneiros do assunto no país, assim como frei (depois bispo de Petrópolis) Boaventura de Kloppenburg.
Vitrício dominava amplamente as técnicas de Hipnose e, nas suas andanças pelo Brasil sempre encontrava potenciais discípulos. Eu fora um deles.
Em meio à balburdia reinante no estúdio da então TV Canal 6, no edifício Mauá, térreo, Rua José Loureiro, Quevedo foi chegando quieto.
Por milagre, conseguiu-se imediato silêncio. Juarez Machado e seu primo, Jamaia pararam de pintar em papelão o cenário de “Um Lugar ao Sul”, programa do padre Emir Caluf, que horas depois entraria ao ar.
Engraçado, humor ferino, uma metralhadora verbal azeitada por forte sotaque espanhol, o fundador do CLAP – Centro Latino-Americano de Parapsicologia -, se concentrava em combater as teses reencarnacionistas.
Tinha pitadas cáusticas e forte “sense of humour”, tal como quando lascou:
– E lá eu ia acreditar naquele médium com tremeliques e que me garantia estar encarnando Napoleão, tudo com uma voz de Pato Donald?
Para aqueles dias, explico, o Pato Donald era obrigatório em bons horários de TV, falando em inglês, com a voz esganiçada, engraçada, irritante…
CONFERIR NA TV PROGRAMAS
A propósito de “Dreher Convida”: acho que o programa esteve na grade do Canal 6 entre 1962/64, assunto que Luiz Renato Ribas pode esclarecer, pois sua revista pioneira, a TV Programas, registrou a novidade.
A proposta do “Dreher Convida” era garantir um desfile de personalidades, gente especialmente colhida por nós, os jornalistas, e a produção comandada pelo chinês Clemente Chen, personagem competente.
Chen parecia ter saído de histórias em quadrinhos policiais, me lembrava o Charlie Chen, o detetive dos gibis.
Chen era casado com Cidália, mulher bonita e apresentadora de televisão de alto nível.
MÉDICO MONSTRO
Quem for aprofundar o tema DA, ótimo assunto para o mundo acadêmico e seus “papers”, que precisam, mais que nunca, ganhar ampla divulgação, sugiro que seja pesquisado o “dom da ubiquidade” de Dino Almeida.
DA conseguia estar em muitos lugares no dia a dia de Curitiba, quase ao mesmo tempo. E muitas vezes agindo em favor de causas sociais relevantes, pedindo para orfanatos, abrigos de pessoas desamparadas, obras como o Clube da Soda, mantido pelo médico Hélio Brandão, de apoio a crianças vítimas da estenose do esôfago, comprometidas pela ingestão de soda. Pedia por abrigos espíritas, obras leigas ou de qualquer cunho, religioso ou não. Pedia cadeiras de roda, cestas básicas, remédios, roupas…
Inesquecível foi a campanha que fez em favor daquela jovem, muito bonita, que teve o rosto desfigurado com ácido lançado pelo namorado inconformado com a ruptura do relacionamento por ela decidida.
A tragédia, rara por seus requintes de perversidade, ganhou dimensão nacional. O médico – de nome nipônico -, foi defendido por um dos criminalistas de maior prestígio na época, Julio Militão, mas condenado.
VINTE CINCO CIRURGIAS
Mais que a destruir a fisionomia, sonhos, beleza e futuro da jovem, o ex-namorado mostrou-se um criminoso calculista, frio.
DA entra na história ao lançar ampla campanha estadual de apoio à moça desfigurada. Seu rosto foi parcialmente restaurado graças a pelo menos 25 cirurgias, em grande parte pagas por doações conseguidas por Dino.
Que eu me lembre, a campanha do DA foi o primeiro grande grito em Curitiba alertando para a violência contra mulher em relações afetivas.
Além de conseguir apoio além do esperado para as cirurgias, DA conseguiu despertar a sociedade para uma realidade nunca muito exposta na classe média: a violência contra o chamado sexo frágil.
O médico, além de perder o diploma, foi condenado a muitos anos de prisão. A vítima, hoje uma senhora sessentona, trabalha com enfermagem em Goiânia.
Dino Almeida, por essas e por outras foi único na chamada crônica social paranaense, sabendo tirar da vaidade humana, que ele sabia retratar como ninguém, possibilidades inimagináveis de redenção do chamado “Jet set”. Ou café society. Nisso foi mestre, aperfeiçoando o modelo Ibrahim Sued ao colocar seu nome e sua credibilidade em favor dos mais pobres entre os desassistidos pela fortuna.
(CONTINUARÁ)