segunda-feira, 30 junho, 2025
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Presbiterianos dão ultimato a quem age como esquerdista e demitem presbítero

O presbítero punido, Flávio Macedo Pinheiro

ESTADÃO

“Ou você muda teu pensamento, abandonando as posições esquerdistas e todo o conteúdo marxista cultural que vem com elas, ou você deve, diante de Deus, renunciar ao Presbiterato. Esta relação está altamente incompatível.” O recado do reverendo Ageu Magalhães, um dos líderes da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), veio em tom de ultimato. O aviso foi enviado ao teólogo Flávio Macedo Pinheiro, presbítero da instituição em São Paulo, no dia 12 de dezembro de 2019. Um ano e dois meses depois, Pinheiro foi afastado do cargo, conforme documentos ao qual o Estadão teve acesso.

A punição ocorreu em fevereiro do ano passado, após Pinheiro criticar o governo do presidente Bolsonaro (PL) e ser taxado como comunista e marxista por defender que mulheres não devem ser consideradas inferiores aos homens, falar em direitos da comunidade LGBT, de descriminalização do aborto e da maconha e divulgar um evento do PSOL sobre o pensamento do educador Paulo Freire.

ERROS PROCESSUAIS

A decisão foi revertida pela última instância de julgamento da igreja por erros processuais um ano depois e fez o presbítero sair da congregação que frequentava havia 19 anos em Cidade Dutra, na zona sul de São Paulo, para uma igreja no Butantã, também na capital paulista. O caso expõe o cerco de uma das igrejas evangélicas mais tradicionais do Brasil contra fiéis de esquerda enquanto a cúpula da instituição se alinha ao governo do presidente Jair Bolsonaro, como revelou o Estadão. Agora, a orientação pode se tornar oficial com a aprovação de uma resolução do Supremo Concílio, órgão máximo de decisão da igreja, ainda nesta semana. A minuta da resolução indica que os pastores devem orientar os fiéis a se afastarem da “nefasta influência do pensamento de esquerda”.

“Eu fico triste porque a igreja não é para isso. A igreja não deveria usar o púlpito para defender nem quem é de esquerda nem quem é de direita. A política é menos importante, há temas muito mais importantes para tratar”, diz o teólogo, hoje fora de qualquer cargo de liderança na IPB e que critica abertamente o governo Bolsonaro em suas redes sociais.

Reverendo Ageu Magalhães

LÍDER INFLUENTE

Ageu Magalhães, autor da denúncia contra o presbítero, é um líder influente na IPB, conhecido por ter um pensamento conservador. Ele dirige o Seminário Teológico Presbiteriano Reverendo José Manoel da Conceição, em São Paulo. Em 2018, Magalhães declarou voto em Bolsonaro e publicou uma foto de perfil no Facebook com a inscrição “PT não”. Membros da igreja temem que essa postura se multiplique neste ano, no meio das eleições, e crentes que não concordam com a postura da cúpula sejam forçados a deixar os cargos e bancos da igreja.

Oficialmente, a IPB afirma que não apoia nenhum governo e que os fiéis têm liberdade para se posicionarem politicamente. O comando da igreja, porém, está diretamente ligado ao governo Bolsonaro. O ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, preso no âmbito de uma investigação sobre o gabinete paralelo de pastores no Ministério da Educação, caso revelado peloEstadão, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça, indicado por Bolsonaro, são pastores da instituição. O relator da proposta de resolução para expurgar os “esquerdistas” da igreja, reverendo Osni Ferreira, usou o púlpito em Londrina (PR) para pedir apoio à reeleição do atual presidente. O reverendo Roberto Brasileiro, líder máximo da IPB no País, já participou de eventos com Bolsonaro e tem um filho que ocupou cargo de confiança do MEC.

PERDE O EMPREGO

Alvo do processo de afastamento, Flávio Pinheiro é professor de ensino médio, formado em Ciências Sociais, Filosofia, História pela Universidade de São Paulo e Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Em 2018, após a vitória da eleição de Jair Bolsonaro à Presidência, Pinheiro foi demitido do Colégio Mackenzie, que pertence à Igreja Presbiteriana. Ele acredita que as críticas ao governo e o alinhamento da IPB a Bolsonaro motivaram o afastamento do colégio e mais tarde do cargo de presbítero. “É uma inquisição porque perseguem alguém entendendo que essa pessoa é um perigo espiritual para a igreja e é também uma perseguição política porque entendem que uma certa visão política não é aceitável para aquele grupo”, afirmou o teólogo. “É inconcebível você se dizer um discípulo de Cristo e pregar alguma forma de intolerância.”

Templo da Presbiteriana em São Paulo

Nas publicações que motivaram o afastamento, o presbítero criticou Bolsonaro em função do discurso ideológico do presidente, se colocou a favor da descriminalização da maconha e do aborto e defendeu os direitos da mulher e da comunidade LGBT, temas sensíveis no meio evangélico. Até mesmo referências a Paulo Freire e aos teólogos Karl Barth e Ariovaldo Ramos foram usadas para pedir a punição.

ARREPENDIMENTO

Flávio Pinheiro deveria ficar afastado do cargo por tempo indeterminado até que se “arrependesse” de suas declarações, conforme a decisão do Presbitério. A primeira decisão que chancelou a ordem de afastamento da igreja não cita as críticas a Bolsonaro que foram incluídas no processo pelo autor da denúncia. Mas ressalta que o presbítero agiu contra os mandamentos da igreja.

Entre os motivos usados para a punição estão o fato de o presbítero ter negado “a liderança do homem na função de cabeça sobre a esposa”, ou ainda por ter feito interpretações erradas da Bíblia segundo a concepção presbiteriana, além de pregar a leitura de livros de Karl Marx. A punição só foi revertida por um erro processual: o tribunal de terceira instância da igreja entendeu que ele não foi devidamente orientado pessoalmente antes do afastamento.

DOCUMENTO DECISIVO

Trecho de documento da Igreja Presbiteriana pregando contra pensamentos de esquerda
Trecho de documento da Igreja Presbiteriana pregando contra pensamentos de esquerda

A preocupação agora é com a aprovação do documento que orienta fiéis a se afastarem do “comunismo” e da “nefasta influência do pensamento de esquerda”, discutido pelo comando da instituição. “Se esse documento for aprovado e quem é de esquerda não puder fazer parte da igreja, vou esperar ser expulso? Eu tenho um filho de quatro anos, não quero ver meu filho crescer em um ambiente desse.”

Procurados, a Igreja Presbiteriana do Brasil e Ageu Magalhães ainda não se manifestaram.

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