*Notícia originalmente publicada em agosto de 2016

Rubens Recalcatti pouco ou quase nada tem a ver com o padrão de homens da lei que os romances policiais ingleses e americanos passam aos leitores, desde que Edgar Allan Poe deu início ao gênero literário.
De muito comum entre o delegado curitibano e conteúdo dos livros, há, isso sim, paixão pela investigação do crime de qualquer natureza e o chamado “faro”, sem o qual nenhuma investigação pode caminhar direito.
Nem aqui nem alhures.
As diferenças entre os tiras dos antológicos romances policiais e o delegado que começou na carreira pelo “chão de fábrica” – como detetive/investigador num bairro periférico de Curitiba – são muitas.
De comum há, sim, os resultados. Nisso o nosso “tira” mostra saldos reais – sem romances, sem fantasias e sem arranjos literários.
Tal como aconteceu em 2014, quando conseguiu identificar, prender e mandar a julgamento o assassino que, sem deixar pistas evidentes nem testemunhas do delito, matou um italiano a passeio em Curitiba. O homem foi morto na rua Comendador Araújo, em pleno dia, simplesmente porque, reagindo com eloquência (muitos gritos) mediterrânea à voz de assalto, berrou ao mundo que não entregaria o relógio. “Ficou com o relógio, foi-se a vida”, diz o ex-delegado da Delegacia de Homicídios de Curitiba.
2 – “CALÇA CURTA”
Filho de um delegado “calça curta” – policial de outrora, improvisado pelo poder público para atuar em cidades do interior à falta de gente concursada –, Recalcatti é uma boa mostra de parte da gente paranaense.
É oriundo do Sudoeste do Estado, com ancestrais alemães e italianos (herança étnica que pode ajudar a entender ângulos de sua personalidade?).
Tem origem gaúcha, localizada naqueles pioneiros que foram, há dezenas de anos, para a sua região natal. Ele fala, embora seja um cidadão da Capital há muitos anos, com o bom sotaque e a certeira franqueza do homem do interior, estabelecendo assim fácil entendimento com o interlocutor, sem barreiras culturais e sociais.
3 – DIREITOS HUMANOS
Ele não pode ser considerado um conservador, no que toca a certas realidades que permeiam o seu dia a dia e de seus colegas policiais. Por exemplo, não esconde discordar daqueles que “dão tratamento com luvas de pelica” a bandidos irrecuperáveis.
Assim como, remando contra defensores dos chamados direitos humanos, acha que cada caso de infração praticada por menores de idade merece um olhar e tratamentos particulares. “Nada de absolver a priori delinquente, simplesmente porque é menor”, diz.
Para ele, “modus in rebus”, sentencia, recorrendo ao latim do Direito Romano de seu bacharelado em Direito. E até por isso, gosta de citar o caso de um grande bando de ladrões de bancos que prendeu. No meio das investigações – e entrevistando individualmente cada um dos envolvidos – percebera uma presença diferenciada, um “inocente útil” que fora arregimentado pela quadrilha.
Tratava-se de rapaz recém-entrado nos seus 18 anos, a quem Recalcatti mandou para a casa com a recomendação –”emende-se”. Anos depois, o moço de então, com uniforme de policial militar, apresentou-se ao delegado:
“O senhor me salvou”.
É assim, com uma narrativa franca, com alguns lamentos ao limitado reconhecimento de “certas autoridades” à vida e à história de policiais que se dedicaram ao serviço da sociedade, que ele recorre de novo ao velho latim: “Elimine a causa para cortar o efeito” (“sublata causa”).
Uma expressão que, aponta, se encaixa muito bem no quadro do jovem que virou policial militar.
“Assim, a gente acaba sendo um pouco psicólogo, às vezes conselheiro espiritual, muitas vezes assistente social numa delegacia, o que apenas confirma o que sei há muito tempo: o bom tira vive a sofrer com a comunidade a que serve”, completa Recalcatti.
(Trecho do perfil de Recalcatti, do volume 8 do livro “Vozes do Paraná – Retratos de Paranaenses”, a ser lançado em 6 de outubro, de 18h30 às 22 horas, no Palacete dos Leão, sede do BRDE em Curitiba).