Por Marcus Gomes – Em guerra com os alarmes de carros que disparam no meio da noite, David (interpretado por Tim Robbins) decide passar o fim de semana em uma casa de campo que ele julga distante o suficiente do barulho de Nova York. Ledo engano. Na primeira manhã, é surpreendido pelo vizinho que liga o soprador de folhas a 80 decibéis. “O que fizeram com o ancinho?”, pergunta à sua mulher, antes de partir para a briga com o responsável pelo barulho e levar a pior.
Dirigido pelo norte-americano Henry Bean, “Passando dos Limites” (Noise, 2007) é baseado na própria experiência do diretor. Ele realmente fazia isso: arrombava os carros de outras pessoas, às vezes quebrando o vidro do lado do motorista, para desativar o alarme e poder dormir em paz. O comportamento, algo tresloucado, acabou levando-o aos tribunais e à cadeia. E serviu de inspiração para o segundo longa de sua carreira.
A crítica de “Passando dos Limites” mira em carros especificamente – e em sopradores de folha de soslaio –, porém deixa de lado equipamento que, no quesito tortura, deveria estar no topo da lista do manual da Inquisição espanhola: o alarme de roubo em residências.
Agora mesmo há propaganda na internet anunciando dispositivos de segurança com capacidade sonora de 150 decibéis. É mais do que uma motosserra (100 db), mais do que uma turbina de avião (110 db) e mais do que uma banda de rock (120 db). Em irritabilidade, conjuga um cachorro latindo e um bebê chorando, Tetê Espíndola e um cortador de grama, Chatotorix, o trovador desafinado de Uderzo e Goscinny, e Heloísa Helena.
Um ser humano com a sanidade mental em dia – coisa rara – suporta um ruído de 110 decibéis por, no máximo, 15 minutos. Mais do que isso equivale a uma camisa-de-força. Alarmes residenciais e comerciais tendem a provocar a tempestade perfeita. Não basta disparar com maior regularidade em fins de semana e feriados prolongados. É preciso também operar no volume mais alto e no tom mais estridente.
Se os alarmes têm a função de chamar a atenção de vizinhos e vigilantes para crime em andamento ou suposta invasão de domicílio, é um detalhe desprezível. Imagine um equipamento de segurança que dispara uma, duas, três, dez vezes ao dia. Pois é. O efeito é o mesmo da fábula “Pedro e o Lobo”. Ou seja, nenhum.
No filme “Passando dos Limites”, o personagem de Tim Robbins, cansado das prisões e das tentativas de aprovar uma lei que imponha sanções aos donos dos carros barulhentos, faz com que o prefeito da cidade (William Hurt) prove do mesmo veneno. Sua arma é um caminhão equipado com um conjunto de cornetas de buzina com a capacidade de provocar rachaduras no edifício-sede do município. É o suficiente para convencê-lo. A banda de rock pesado Kiss, que se despediu dos palcos no ano passado e, neste ano, voltou a se “despedir”, não faria melhor.
Perturbação de sossego
- A Organização Mundial de Saúde indica que a exposição a ruídos acima de 50 decibéis, por longos períodos, é nociva às pessoas.
- O som de um cachorro latindo é de 80 decibéis. O de uma banda de rock atinge 110 decibéis – e, nesse caso, 15 minutos de exposição podem causar perdas auditivas temporárias ou permanentes.
- No Brasil, vigora o decreto-Lei 3.888/1941 (Contravenções Penais) que prevê pena de prisão de 15 dias a 3 meses ou multa.
- Para o caso de alarme veicular, o artigo 229 do Código de Trânsito Brasileiro prevê multa e apreensão do carro.
- Em Curitiba, podem ser multados por perturbação de sossego os responsáveis por alarmes sonoros que, mesmo disparados a intervalos, toquem por mais de 30 minutos. A multa tem um valor salgado – R$ 10,7 mil.
- O artigo 1.336, inciso IV, do Código Civil, proíbe o condômino de perturbar o sossego, a salubridade e a segurança dos demais moradores. O som provocado por alarme, de forma contínua, reúne todos esses ingredientes.
Marcus Gomes
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