Assessoria – Como a Inteligência Artificial deve ser empregada de forma responsável em campanhas eleitorais e o que pode evitar seu uso indiscriminado, capaz de minar a democracia brasileira? A resposta não é simples mas passa pelo debate público e pela regulamentação urgente, defendeu o sociólogo e marqueteiro Marcelo Senise, empossado presidente do Instituto Brasleiro de Regulamentação da Inteligência Artificial (IRIA), durante a primeira edição no Paraná do Congresso Brasileiro de Comunicação Política, o Compol.
Realizado no Canal da Música, em Curitiba, o Compol reuniu cerca de 700 participantes, entre prefeitos, vereadores e gestores da comunicação pública, profissionais atuantes em campanhas eleitorais e futuros candidatos a cargos eletivos. Foram dois dias de mergulho em duas vertentes principais de conteúdo: as boas práticas da comunicação política institucional, com a apresentação de cases de sucesso, e como estruturar campanhas com potencial vencedor, utilizando técnicas modernas de marketing eleitoral.
O Compol foi criado em junho de 2023 para falar sobre comunicação política e institucional e já passou por 25 cidades de todos os estados brasileiros. Em maio, o Paraná terá mais uma edição, desta vez em Londrina. A edição nacional será em Florianópolis, nos dias 24, 25 e 26 de junho.
“A pandemia evidenciou a necessidade de os governos se comunicarem de forma competente e direta com a população, e o Compol nasceu dessa urgência, para provocar o debate e disseminar iniciativas reconhecidamente bem-sucedidas. Por outro lado, o congresso também tem um papel formador, que ajuda a profissionalizar o marketing político. Estamos mostrando que comunicação política pode ser uma carreira profissional, e não apenas três meses de assessoria eleitoral durante uma campanha”, explica Marcello Natale, um dos criadores do Compol.
A IA na campanha
O uso de ferramentas de inteligência artificial na campanha eleitoral deste ano foi um tema transversal durante o Compol, presente em várias palestras e paineis. As campanhas que elegeram Donald Trump presidente dos Estados Unidos e Javier Milei presidente da Argentina foram mencionadas principalmente pelos caminhos perigosos que tomaram, acirrando a disputa e rompendo limites éticos, na avaliação de especialistas em marketing eleitoral.
“A falta de regulamentação da IA representa um perigo iminente à essência da democracia. No caso do Brasil, um país tão vasto em suas diversidades políticas e sociais, a IA já se insinua no palco principal das eleições. As estratégias políticas são meticulosamente adaptadas, usando algoritmos e minúcias dos dados para criar uma ilusão de personalização. Parece inocente à primeira vista, mas esse excesso de personalização gera bolhas, onde os eleitores são cercados apenas por informações que ecoam as próprias crenças. Esse isolamento do discurso político está nos levando a extremos, alimentando uma polarização desenfreada e dificultando, cada vez mais, a construção de pontes, afastando-nos do entendimento mútuo”, alertou Senise.
E isso não é tudo, acrescentou. “Há um perigo latente na disseminação de informações distorcidas e deepfakes durante o período eleitoral. A IA tem esse poder único de fabricar conteúdos falsos tão reais, que é assustador. Essa disseminação de falsidades abala a confiança no processo eleitoral, pondo em cheque a integridade e a legitimidade de nossas eleições.”
Para Senise, o Projeto de Lei 2.338/2023, em tramitação na Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA), embora seja um passo na direção certa, ainda precisa de debates mais abrangentes e específicos sobre o uso da IA nas campanhas.
Comunicação pública x privada
A grande diferença entre a comunicação privada e a comunicação pública é o público-alvo. No caso da comunicação pública, não há segmentação: o público-alvo abrange 100% da população. O paralelo foi mencionado pelo secretário interino da Comunicação Social do Estado do Paraná, Eduardo Pungnali. “Tudo o que é feito por governos e instituições públicas atinge integralmente a população e nosso papel de comunicadores é fazer com que as informações cheguem a todos de forma transparente”, defendeu Pungnali, acrescentando que “as redes sociais viraram praça pública, como eram os coretos nas cidades pequenas”
Esse fenômeno traz para a esfera pública o desafio de distribuir a informação de forma homogênea. “As pessoas divulgam fragmentos nos grupos e a mensagem é distorcida. É preciso abraçar as pessoas e muni-las de informação.”
Para Igor Marques, secretário da Comunicação Social da prefeitura do Rio de Janeiro, é importante ser atraente e obter engajamento nas redes sociais, mas com muita responsabilidade. “Não dá pra esquecer que o cidadão quer informação, ver o órgão público como comunicador oficial. O sucesso da nossa atuação é entender que precisamos ouvir a população. Nossas redes são canais de diálogo”
A jornalista Patrícia Tressoldi, diretora de comunicação da Câmara Municipal de Curitiba, chama a atenção para questões como isomomia e transparência. “Nosso principal produto é o site com notícias. Todos os nossos jornalistas sabem as técnicas de SEO. Usamos as redes sociais para atrair a atenção do público para o que acontece no legislativo. A maneira para atuar com a desinformação é dar mais informação.”
Mobilização: o poder da tia do zap
Um dos mais celebrados nomes do marketing eleitoral, o consultor e escritor Fabricio Moser envolveu a plateia em uma palestra marcada pelo humor e por provocações. Contou como foi perder a eleição para Jair Bolsonaro, quando liderou a área de mobilização da campanha de Geraldo Alckmin, principal opositor do presidente eleito em 2018. E contou que um dos grandes aprendizados daquele momento foi o de que uma boa estratégia de campanha não fala para multidões, mas para embaixadores, para uma rede de apoiadores que vão usar seu poder de influência para defender o candidato de forma intensa e apaixonada.
“Especialmente na campanha para vereador, é preciso transformar eleitores em cupidos do seu projeto. Traga a tia do zap para seu grupo de apoiadores. Ela dorme pouco e vai passar o dia nos grupos defendendo você”, brincou
Simples é diferente de fácil
O estrategista eleitoral Emerson Saraiva, do portal Eleja-se, foi didático ao falar sobre como organizar uma campanha eleitoral. “Eleger-se no Brasil é simples, mas não é fácil”, provocou. Entre os passos principais, ele elencou a construção de uma marca política, que transmita qual a causa do candidato, seu modo de se vestir e de falar, como as pessoas vão se lembrar dele. E disse que as três principais marcas políticas do Paraná atualmente são o ex-senador Alvaro Dias (Podemos), a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT) e o ex-governador Roberto Requião (Mobiliza, antigo PMN).
Ele citou alguns fundamentos para uma campanha: o conceito, a narrativa, com a história da vida do candidato, o discurso – “Todo grande político tem um grande discurso” -, a mensagem implícita no discurso, e a promessa de futuro, implícita no discurso, porque todo político precisa vender um sonho. “A eleição é uma história que a gente escreve e o eleitor faz acontecer.”
Influenciar é a chave
O jornalista Fred Perillo, especialista em marketing político, destacou que o principal trabalho de todo candidato é influenciar as pessoas. E não apenas na Internet, mas no corpo a corpo também. “O primeiro grande erro do candidato é achar que vai ganhar o eleitor com convencimento. Convencimento é racional. O voto é emocional. A persuasão atinge o inconsciente. Políticos competentes podem perder a eleição para políticos mais interessantes. Mas quando sou influenciado por alguém, viro fã, peço voto”, ensinou.
Perillo disse que um check-list de campanha inclui dois pontos principais: macro comunicação, em que o candidato apresenta seu propósito, como vai agir e se conectar – e isso é a parte tangível do processo; e micro comunicação, com estratégias verbais e não verbais, que estabelecem sua capacidade de influência.
“Os políticos precisam entender que fazer é obrigação, não diferencial. Mostrar a importância do que foi feito e o impacto na vida das pessoas. É muito difícil sustentar na internet o que não é verdadeiro, mas é preciso ser autêntico. E nesse quesito percebo que 90% dos políticos se comunicam mal.”