domingo, 16 março, 2025
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Opinião de Valor: o meu primeiro ano como Papa (parte final)

FRANCISCOEntrevista com o Papa Francisco (parte final)

Um ano se passou desde aquele simples “boa noite” que comoveu o mundo. O arco de 12 meses, assim entendidos – não só para a vida da Igreja – custa para conter a grande quantidade de novidades e os muitos sinais profundos da inovação pastoral de Francisco. Estamos em uma salinha de Santa Marta.

Uma única janela dá para um pequeno pátio interno que descerra um minúsculo canto de céu azul. O dia está belíssimo, primaveril, quente. O papa sai de repente, quase de súbito, de uma porta, e tem um rosto relaxado, sorridente. Olha divertido para os muitos gravadores que a ansiedade senil de um jornalista colocou sobre uma mesa. “Funcionam? Sim? Bom”.

A reportagem é de Ferruccio De Bortoli, publicada no jornal Corriere della Sera, 05-03-2014. (IHU Unisinos).

P) Como será promovido o papel das mulheres na Igreja?

R) Aqui também a casuística não ajuda. É verdade que a mulher pode e deve estar mais presente nos lugares de decisão da Igreja. Mas eu chamaria isso de uma promoção de tipo funcional. Só assim não se faz um longo caminho.

Ao contrário, é preciso pensar que a Igreja tem o artigo feminino “a”: é feminina desde as suas origens. O grande teólogo Urs von Balthasar trabalhou muito sobre esse tema: o princípio mariano guia a Igreja ao lado do petrino. A Virgem Maria é mais importante do que qualquer bispo e de que qualquer apóstolo. O aprofundamento teologal está em andamento. O cardeal Rylko, com o Conselho dos Leigos, está trabalhando nessa direção com muitas mulheres especialistas em várias matérias.

P) A meio século da Humanae vitae, de Paulo VI, a Igreja pode retomar o tema do controle de natalidade? O cardeal Martini, seu coirmão, considerava que já havia chegado o momento.

R) Tudo depende de como é interpretada a Humanae vitae. O próprio Paulo VI, no fim, recomendava muito misericórdia aos confessores, atenção às situações concretas. Mas a sua genialidade foi profética, ele teve a coragem de se inclinar contra a maioria, de defender a disciplina moral, de exercer um freio cultural, de se opor ao neomalthusianismo presente e futuro. A questão não é a de mudar a doutrina, mas sim de ir fundo e fazer com que a pastoral leve em conta as situações e o que é possível fazer pelas pessoas. Também sobre isso se falará no caminho do Sínodo.

P) A ciência evolui e redesenha os limites da vida. Faz sentido prolongar artificialmente a vida em estado vegetativo? O testamento biológico pode ser uma solução?

R) Eu não sou um especialista nos assuntos bioéticos. E temo que cada frase minha possa ser equivocada. A doutrina tradicional da Igreja diz que ninguém é obrigado a usar meios extraordinários quando se sabe que está em uma fase terminal. Na minha pastoral, nesses casos, eu sempre aconselhei cuidados paliativos. Em casos mais específicos, é bom recorrer, se necessário, ao conselho dos especialistas.

P) A próxima viagem à Terra Santa levará a um acordo de intercomunhão com os ortodoxos que Paulo VI, há 50 anos, quase tinha chegado a firmar com Atenágoras?

R) Estamos todos impacientes para obter resultados “fechados”. Mas o caminho da unidade com os ortodoxos significa, acima de tudo, caminhar e trabalhar juntos. Em Buenos Aires, nos cursos de catequese, vinham diversos ortodoxos. Eu passava o Natal e o dia 6 de janeiro junto com os seus bispos, que às vezes pediam também conselho aos nossos escritórios diocesanos. Eu não sei se é verdade o episódio que se conta sobre Atenágoras, que teria proposto a Paulo VI que caminhassem juntos e mandassem todos os teólogos a uma ilha para discutir entre si. É uma piada, mas o importante é que caminhemos juntos. A teologia ortodoxa é muito rica. E eu acredito que eles têm grandes teólogos neste momento. A sua visão da Igreja e da sinodalidade é maravilhosa.

P) Em alguns anos, a maior potência mundial será a China, com a qual o Vaticano não tem relações. Matteo Ricci era jesuíta como o senhor.

R) Estamos próximos da China. Eu enviei uma carta ao presidente Xi Jinping, quando ele foi eleito, três dias depois de mim. E ele me respondeu. Há relações. É um povo grande ao qual eu quero bem.

P) Por que, Santo Padre, o senhor nunca fala da Europa? O que não o convence do projeto europeu?

R) Você se lembra do dia em que eu falei da Ásia? O que eu disse? (Aqui o cronista se aventura em algumas explicações, recolhendo memórias vagas, para depois perceber que havia caído em uma simpática armadilha). Eu não falei nem na Ásia, nem da África, nem da Europa. Só na América Latina, quando estive no Brasil e quando tive que receber a Comissão para a América Latina. Ainda não houve a ocasião para falar da Europa. Ela virá.

P) Que livro o senhor está lendo nestes dias?

R) Pietro e Maddalena, de Damiano Marzotto, sobre a dimensão feminina da Igreja. Um belíssimo livro.

P) E o senhor não consegue ver alguns belos filmes, outra de suas paixões? A grande beleza ganhou o Oscar. O senhor vai vê-lo?

R) Não sei. O último filme que eu vi foi A vida é bela, de Benigni. E antes tinha revisto A estrada da vida, de Fellini. Uma obra-prima. Eu também gostava de Wajda…

P) São Francisco teve uma juventude despreocupada. Eu lhe pergunto: o senhor nunca se apaixonou?

R) No livro O jesuíta, eu conto sobre quando eu tinha uma namoradinha aos 17 anos. E eu também faço referência a isso em Sobre o céu e a terra (Companhias das Letras, 2013), o livro que eu escrevi com Abraham Skorka.

No seminário, uma moça me fez virar a cabeça por uma semana.

P) E como isso acabou, sem querer ser indiscreto?

R) Eram coisas de jovens. Falei a respeito com o meu confessor (um grande sorriso).

P) Obrigado, Padre Santo.

R) Obrigado a você.

Para conferir as outras partes da entrevista, clique nos links abaixo:

O meu primeiro ano como Papa

O meu primeiro ano como Papa (II)

O meu primeiro ano como Papa (III)

O meu primeiro ano como Papa (IV)

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