Quando indagado sobre o que fazer com as cidades contemporâneas Lerner costuma dizer que “o problema está na concepção da cidade, e quanto mais tivermos moradia, trabalho e mobilidade juntos, mais perto estaremos da solução.”
Por Salvador Gnoato*
Jaime Lerner nasceu em Curitiba em 17 de dezembro de 1937, filho de pais judeus poloneses. Após concluir o Curso de Engenharia Civil pela UFPR, obteve em 1962, uma bolsa de estudos na França, onde estagiou com Georges Candilis (1913-1995), que já havia trabalhado no escritório de Le Corbusier (1887-1965) e autor do projeto de Toulouse-Le Mirail. Candilis era integrante do Team 10, grupo de arquitetos que discutiram a aplicação dos princípios dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAMs).
Quando retornou a sua cidade natal, entusiasmado em implantar novas ideias para as cidades, ouviu do diretor de urbanismo: “a Prefeitura não tem recursos para fazer as desapropriações necessárias para implementar o Plano Agache”, elaborado em 1943 e que previa a criação de largas avenidas.
Na década de 1960, os arquitetos sediados em Curitiba tinham o hábito de se revezar em equipes para desenvolver seus projetos. A produção destes arquitetos ficou conhecida como Grupo do Paraná, em função da premiação de em concursos nacionais.
Jaime Lerner venceu o concurso para a sede da Polícia Federal (1967) em Brasília, junto com Domingos Bongestabs e Marcos Prado, e conquistou o 2º lugar ex-aequo no Complexo Turístico do Euro Kursaal, em San Sebastian, na Espanha, junto com Lubomir Ficinski, Roberto Gandolfi, Luiz Forte Netto e José Maria Gandolfi. Esta mesma equipe foi convidada a participar da VI Bienal de Jovens Arquitetos de Paris (1969), apresentando uma proposta de execução de uma megaestrutura em concreto armado sobre o rio Foz do Iguaçu, alinhada com as vanguardas europeias.
Integrou como aluno, a primeira turma do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPR, reduzida a três anos em função de sua formação em engenharia. Participou no desenvolvimento do Plano Preliminar de Curitiba (1965) de Jorge Wilheim (1928-2014) no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), organismo criado como uma das premissas do plano e presidido por Jaime Lerner em 1968.
Em sua primeira gestão como prefeito (1971-1974), tiveram início as transformações que moldaram o urbanismo de Curitiba. Com os recursos disponíveis da Prefeitura e com financiamento federal, Jaime Lerner implementou o Sistema Viário previsto no Plano Diretor (1966). A introdução dos Eixos Estruturais Norte-Sul e Leste-Oeste, com o Sistema Trinário, desenvolvido por Rafael Dely (1941-2007), respeitando a malha e a paisagem urbana existente, construindo trincheiras em vez de viadutos, e criando binários de mão simples em vez de “rasgar” novas avenidas, como propunha o Plano Agache.
Como premissa de colocar o pedestre em protagonismo, implantou o calçadão da Rua XV, ampliando seu acesso ao Setor Histórico, conforme estudos do professor Cyro Correa Lyra, revitalizado com a valorização de suas edificações. Para estabelecer espaços vivenciados na cidade, criou a Feira de Artesanato do Largo da Ordem, funcionando todos os domingos.
A inauguração do Teatro do Paiol, edificação desativada reciclada por Abrão Assad (1940- ), teve a presença de Vinicius de Morais, Toquinho e Marília Medalha, simbolizando o início um novo momento social na cidade, consolidado com a criação da Fundação Cultural de Curitiba (1973).
Aliando soluções de saneamento com preservação do meio ambiente, além de propiciar grandes áreas de lazer para a cidade, criou os parques Barigui e São Lourenço (1972), assessorado pelo engenheiro Nicolau Klüpel. Mais tarde criou o programa “lixo que não é lixo” (1989).
Com a participação de Alberto Paranhos, especialista em Demografia Urbana pela Sorbonne Université de Paris, estruturou a Lei de Zoneamento e Uso do Solo (1975), a qual definiu a ocupação espacial de Curitiba, consolidada nas décadas seguintes.
A implementação da Cidade Industrial de Curitiba (CIC), projetada por Jorge Wilheim (1973), permitiu a vinda de inúmeras indústrias como a Volvo, Votorantim, Gerdau e Siemens, entre outras.
Em 1974 foi inaugurada a primeira linha do Ônibus Expresso, conforme propostas desenvolvidas por Lubomir Ficinski (1929-2017) e Carlos Ceneviva (1938-2020). Na Via Lenta de circulação do Ônibus Expresso foi instituído um Plano Massa com embasamento destinado a serviços e comércio, com torres de grande altura, dentro do conceito de “centros lineares” multifuncionais, configurando uma megaestrutura urbana.
Em sua segunda gestão (1979-1982) Jaime Lerner obteve financiamento junto ao Banco Mundial para a execução da Conectora 5, com a inserção de caneletas exclusivas de transporte coletivo, no prolongamento do Eixo Estrutural Oeste com ligação ao Eixo Industrial, atualmente conhecida como Ecoville,
Baseado nas experiencias de Curitiba, em 2012 a cidade de Mendellín, na Colômbia adotou em 2012, um sistema de canaletas exclusivas, que passou a se chamar Bus Rapid Transit (BRT). O Banco Mundial em suas linhas de crédito específicas, reconhece Curitiba como a cidade que iniciou este sistema de transporte coletivo.
O terceiro mandato, desta vez como prefeito eleito (1989-1992), consagrou o Plano de Curitiba. Nesta gestão foram criados na cidade novos espaços públicos: o Jardim Botânico (projetado por Abrão Assad) e a Unilivre e o conjunto da pedreira Paulo Leminski com a Ópera de Arame (projetados por Domingos Bongestabs), atualmente denominado Parque Jaime Lerner. As Estações Tubo de autoria de Abrão Assad, inseridas no sistema de transporte coletivo, com design que transmite dignidade aos seus usuários, transformou-se em ícone urbano de Curitiba.
Em seus dois mandatos como governador do Paraná (1995-1998 e 1999-2002), Jaime Lerner promoveu a descentralização e diversificação da indústria no Estado, criando um polo econômico para o País, com a vinda da Renault e de outras montadoras, bem como incentivos no ramo do agronegócio, confecção e metalurgia,
Em sua última realização como gestor público, Jaime Lerner esteve pessoalmente com Oscar Niemeyer (1907-2012) participando do projeto do edifício, originalmente destinado ao Instituto de Educação do Paraná (IEP, 1965), transformado em Museu Oscar Niemeyer (MON, 2002).
Em 1986, Jaime Lerner vai ao Rio de Janeiro desenvolver diversos projetos: Revitalização do Centro, Entreposto de Pesca, além de propostas de transporte coletivo como Bonde, VLT e Metrô de Superfície. Mais tarde, seu escritório elaborou o Parque Bossa Nova e a Renovação Urbana do Subúrbio Carioca.
Criou o Instituto Jaime Lerner em 1993, entidade sem fins lucrativos que tem como missão a difusão de ideias, conceitos e inovações urbanas. Em 2003, transformou sua residência particular (1965) em sede do escritório Jaime Lerner Arquitetos Associados (JLAA), com Valeria Bechara, Paulo Kawahara, Fernando Popp, Ariadne Daher, Fernando Canalli, Gianna De Rossi e Felipe Guerra. Esta equipe desenvolveu em Curitiba o Memorial da Cidade (1993), no Largo da Ordem e o Núcleo de Concursos (2005) no Setor de Ciências Agrárias da UFPR.
Desenvolveu planos e projetos para as cidades de David, no Panamá; Oaxaca, Durango e a região de Sinaloa, no México; Caracas, na Venezuela e Luanda, em Angola. No Brasil, trabalhou em projetos para São Paulo, Brasília, Florianópolis, Recife, Joinville, Cuiabá, São Caetano do Sul e Campinas, com destaque para Parque da Orla (2018) em Porto Alegre e no paisagismo da ampliação da Praia do Balneário Camboriú (2021).
Como designer Jaime Lerner produziu peças em chapas de aço carbono dobrada: a cadeira de balanço Lua Turca, a poltrona M e os bancos W e Toin oin oin.
Lecionou a disciplina de Urbanismo na UFPR e foi professor convidado nas universidades americanas de Berkeley, Cincinnati e Columbia, em Nova Iorque, como também na Universidade de Osaka, no Japão.
Entre as duas gestões da década de 1970, Jaime Lerner conheceu nos seminários que participou na Universidade de Berkeley, na California, Alan Jacobs, autor do livro Great Streets com ilustrações sobre as principais ruas do planeta. A partir de então, estabeleceu relação com outras celebridades como David Harvey e Francis Ford Coppola, além de intelectuais e artistas brasileiros, recebendo-os em Curitiba com visitas guiadas na cidade.
Recebeu o título de Doutor Honoris Causa pelas universidades de Ferrara, na Itália e de Cracovia, na Polonia, em 1999, e pela University of Westminister em Londres (2010) e o os prêmios: das Nações Unidas para o Meio Ambiente (1990), da UNICEF Criança e Paz (1996), e o 2001 World Technology Award for Transportation.
Proferiu conferências no International Green Forum, em Osaka, no Japão (1986); na New York Academy of Sciences (1986); no 18° Congresso Internacional da UIA, em Chicago, nos Estados Unidos (1993) e na 53ª Conferência Anual das Nações Unidas, em Nova Iorque (2000).
Como prefeito de Curitiba, coordenou em 1992, o Fórum Mundial das Cidades, organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) junto com a União internacional de Arquitetos (UIA), cujo parecer foi encaminhado à ECO 92, no Rio de Janeiro. Em 2002, Jaime Lerner foi eleito presidente UIA.
Na II Conferência Nacional de Urbanismo, realizada no Rio de Janeiro, em 2018, Jaime Lerner apresentou o protótipo de um mini veículo elétrico, o dock dock, com 80 cm de largura por 1,80 m de comprimento, podendo desenvolver até 25 km/h, com autonomia de 100 km.
As concepções de urbanismo de Jaime Lerner estão alinhadas com as ideias de Jane Jacobs (2016-2016) e com a projetos de Jan Gehl (1936- ), responsável pelas áreas de pedestres do centro de Copenhagen, na Dinamarca, e pelo calçadão da Broadway, em Nova Iorque.
A preocupação com ações cirúrgicas nas cidades é o tema de seu livro Acupuntura Urbana (2003), traduzido em diversas línguas e objeto de conferências em diversos países. Sobre mobilidade urbana tem afirmado que “o carro é o cigarro do século XXI”.
Quando indagado sobre o que fazer com as cidades contemporâneas Jaime Lerner costuma dizer que “o problema está na concepção da cidade, e quanto mais tivermos moradia, trabalho e mobilidade juntos, mais perto estaremos da solução.”
*Salvador Gnoato, arquiteto e doutor pela USP, tem desenvolvido pesquisa sobre o Plano de Curitiba, participou com Jaime Lerner em diversos eventos como exposições no MON, conselheiro do IAB e professor na PUCPR. Texto publicado na Revista Projeto Anuário 2022, p.83-86.