Por MARCUS GOMES – Aprovada em 2018, a Lei da Multipropriedade (13.777) parece ter sido feita na medida para ampliar o mercado de aplicativos de aluguel de curta temporada como o Airbnb. Inserindo artigos no Código Civil Brasileiro, que vão de 1.358-B até 1.358-U, a nova lei instituiu um regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, que não pode ser inferior a sete dias.
Qualquer semelhança não é mera coincidência. O Airbnb foi criado com esse fim. O aplicativo cadastra proprietários de imóveis, em condomínios edilícios ou não, interessados em locações de curto período
E a lei da multipropriedade vai ao encontro dessa ideia ao prever que cada um dos proprietários possa dispor do imóvel para locação, desde que a permanência do inquilino coincidida com o tempo que caiba ao multiproprietário.
De acordo com o advogado Rodrigo Karpat, especialista em direito condominial, o formato de multipropriedade, nesse caso, é chamado de hoteleiro, estabelecendo direitos e deveres presentes em condomínios, mas também em imóveis de rua.
As assembleias gerais de condôminos que ditam as regras da convenção – uma espécie de constituição condominial – têm resistido à ideia, alegando falta de segurança e risco de danos às áreas comuns, mas isso pode ser contornado sem que haja uma discussão em torno do direito de disponibilizar seu imóvel para locação e sem que se defina mínimo ou máximo para a estadia. Logo, o aluguel por temporada é permitido mesmo que tenha duração de um dia. A previsão legal consta no artigo 48 da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991).
A saída para os condomínios que se preocupam, por exemplo, com a falta de segurança, com barulho excessivo ou com o número de pessoas que se hospedam no imóvel é impor as mesmas regras destinadas aos condôminos e locatários. Importa lembrar que o mesmo artigo que determina que não há prazo mínimo para locação de curta tempora, tem regras para o tempo máximo: 90 dias. Se o prazo exceder é preciso modificar o contrato.
Advogado em São Paulo, Gustavo Campos Maurício, diz que não há dúvidas sobre a legalidade do aluguel por temporada, ainda que em condomínios. “Trata-se de figura expressamente prevista na Lei de Inquilinato”, afirma. “O condomínio não pode impedir o locador de disponibilizar seu imóvel, mesmo em caso de multipropriedade, inclusive por curto período. Por outro lado, cabe ao condomínio aplicar sanções contra o locador quando há descumprimento das regras condominiais”.
Mauricio diz que se, eventualmente, o condomínio tomar a iniciativa de barrar locações, terá que fazê-lo de forma ampla. Não estarão proibidos somente os aluguéis de curta temporada, mas também todas as demais modalidades de locação. Isso confrontaria não só o direito do proprietário de usar e fruir livremente do seu imóvel como também a Constituição e a legislação brasileira. É uma questão espinhosa que nem sempre o síndico se dispõe a enfrentar.
Nova York contra o Airbnb
A cidade de Nova York, nos EUA, encontrou uma solução radical para enfrentar o crescimento de plataformas como o Airbnb, que possibilita o aluguel de imóveis por curta temporada. Nos últimos dias foi aprovada lei que proíbe locações em períodos abaixo de um mês. No Brasil, essa decisão confrontaria diretamente a Lei do Inquilinato ((Lei nº 8.245/1991), que não impõe tempo mínimo para permanência do locatário no imóvel, restringindo apenas o tempo máximo.
A nova lei inviabilizou praticamente todas as operações do tipo, atingindo em cheio os turistas. “Esse tipo de hospedagem era a alternativa de viajantes em todo o mundo. Não só por causa da economia, mas por permitir que os turistas optassem por endereços sem aquele ar de impessoalidade dos hotéis”, escreveu Renata Firpo em sua coluna na revista “Veja”.
De acordo com ela, a impressão é que o dispositivo legal foi aprovado com o fim específico de atingir o Airbnb. Ora em diante, o proprietário do imóvel precisa estar presente durante o período do aluguel e só será permitido a ele alugar dormitórios da residência e não o imóvel por completo. Mais: o dormitório do hóspede não poderá ficar trancado (sic) e, por fim, não poderá haverá mais de dois visitantes ao mesmo tempo – o que põe abaixo a pretensão de um casal de turistas com filhos alugar imóveis por um período que não ultrapasse 30 dias, tempo de férias-padrão no Brasil.
A lei, segundo se sabe, é resultado da pressão do ramo hoteleiro, mas também de condomínios, que nos Estados Unidos não têm o perfil que conhecemos no Brasil. “Muitos moradores já haviam reclamado da sujeira, do barulho, da falta de privacidade e até mesmo da violência desses turistas que utilizam os apartamentos por muito tempo”, diz a colunista.
Mas será que isso é verdade? Há uma parcela da população novaiorquina especulando que a lei foi desenhada com outro propósito: o de pressionar os proprietários a venderem os imóveis que estão à sua disposição e, assim, ajudar a reduzir o déficit habitacional da cidade. É uma realidade com a qual não convivemos. Há imóveis para alugar em todas as grandes metrópoles do país. E os condomínios, sem sombra de dúvida, crescem e aparecem.