Por Hélio de Freitas Puglielli
O prof. Lydio Scardini, que ensinava matemática no Colégio Estadual do Paraná e Escola Técnica Federal (atual UTFPr), estava prestes a se aposentar e já tinha mais tempo livre quando procurou a redação de “O Estado Paraná”, na Barão do Rio Branco. Propôs a criação de uma coluna com charadas, quebra-cabeças e enigmas matemáticos e foi bem acolhido. A coluna passou a ser publicada semanalmente, com o título de “Puzzle”, e tudo transcorria bem, até que o prof. Scardini achou que estava recebendo poucas cartas (naquele tempo não tinha e-mail) e resolveu dar uma “levantada” nos índices de leitura de sua coluna. Ofereceu um prêmio a quem decifrasse um (terrível) problema matemático. Ninguém conseguiu decifrar o enigma quântico, mas um leitor afirmou que estava sendo proposto um problema insolúvel. Na coluna seguinte foi apresentada a solução, mas o mesmo leitor indicou a existência de erros no raciocínio.
Iniciou-se então a tragicomédia.
“PARECERES TÉCNICOS”
Desesperado, considerando em xeque a sua reputação, Scardini partiu em busca de “pareceres técnicos” que confirmassem a idoneidade de seus cálculos. Lembro-me que recorreu inclusive a uma dupla de professores conhecidíssima na época, ambos da UFPr e, se não me engano, tio e sobrinho, da família Teixeira de Freitas, carinhosamente conhecidos como “Teixeirão” e “Teixeirinha”. Não me lembro se eles deram os pareceres mas, nesse ínterim, Scardini descobriu que realmente havia alguns algarismos trocados e cismou que o erro havia sido dos gráficos, na composição de sua coluna, o que não ficou comprovado.
Sem se conformar, em todos os dias em que saía sua coluna, chegava ao jornal no início da noite e só saía de madrugada, quase manhãzinha, até que o jornal fosse impresso. Supervisava tudo: a linotipia, a composição, a revisão e só sossegava quando a rotativa começava a funcionar. Toda aquela neurose era vista com tolerância e mesmo benevolência por jornalistas e gráficos, até a ocorrência fatídica da noite de 16 de junho de 1958. Um avião de carreira caiu nas imediações do aeroporto Afonso Pena, em S. J. dos Pinhais. Sem sobreviventes.
AMORTE DE NEREU
Entre os mortos estavam os três políticos mais importantes de Santa Catarina: o governador Jorge Lacerda (*), o ex-presidente da República e senador Nereu Ramos (**) e o deputado federal Leoberto Leal. Em plena madrugada a redação voltou a funcionar, com a paralisação imediata dos trabalhos da oficina, onde Scardini acompanhava a composição de sua coluna e simplesmente não admitiu que ela pudesse ser cortada para abrir espaço ao noticiário da queda do avião. Seus furiosos brados de protesto foram ouvidos, no andar de cima, pelo secretário de redação, que decidiu rapidamente o que fazer.
Quatro musculosos gráficos levaram para fora o indócil professor, depositaram-no na calçada e imediatamente baixaram as portas de aço do jornal, que só se abriram de novo quando o jornal estava impresso e pronto para a expedição.
Mesmo depois disso, Scardini continuou colaborando e ninguém guardou mágoa de ninguém.
(Lydio Scardini viveu entre 23.5.1913 e 24.2.1968).
(*) Filho de gregos, o sobrenome Lakierdis foi aportuguesado para Lacerda. Estudou medicina na Universidade do Paraná. Também cursou direito na Faculdade de Niterói, antes de entrar definitivamente para a política, sendo foi duas vezes deputado federal, até se eleger govenador de S. Catarina.
(**) Foi presidente da República durante dois meses e 21 dias, de 11 de novembro de 1955 a 31 de janeiro de 1956.