sábado, 19 abril, 2025
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Memória de jornal (III): Jornalismo Policial

Por Hélio de Freitas Puglielli

Vai amanhecendo aos poucos, mas o frio da madrugada curitibana ainda persiste. Pela Rua Barão de Rio Branco desloca-se vagarosamente um homem atarracado, de braços excessivamente curtos e mãos estranhamente femininas. O ventre volumoso denuncia a frequente ingestão de cerveja, mas para enfrentar o frio matinal nada melhor que uma “purinha” de Morretes. E assim fez o “repórter Galo”, mesmo antes do levantamento de ocorrências na Delegacia de Plantão. Caminha agora na direção dos estúdios da PRB-2, Rádio Clube Paranaense, levando o relato que será lido pelo radialista (depois deputado) Artur de Souza, em seu programa “Revista Matinal”. A ele, Arnaldo Baggio dos Santos deve o epíteto de Repórter Galo, tanto por ser o primeiro a anunciar os fatos policiais da noite anterior, quanto por sua aparência: pernas curtas com relação ao ventre protuberante, braços parecendo asinhas e face alongada e rosada.

2 – NOS BARES DA BARÃO

Terminada a Hora Matinal, Galo perambulará pelas redondezas ou tomará alguma providência ligada à administração doméstica, pois vive com a mãe e outros parentes, contribuindo para sustentá-los. Almoça em casa algumas vezes, mas geralmente come um salgado nos muitos bares da Barão, além de esvaziar copo após copo. Outros repórteres policiais se movimentam durante o dia. O mais apressado é o veterano “Lamartine”, do “Diário da Tarde”.

Vespertino, o jornal roda lá pelas três da tarde e Lamartine tem que se apressar na coleta de notícias nas delegacias. Como não são super-homens para estar em vários lugares ao mesmo tempo, os repórteres imaginaram um sistema que está dando certo: cada um “cobre” uma delegacia e datilografa as notícias num “sanduíche” de folhas de papel e de papel-carbono, bem espremido no rolo da máquina. Deixam as cópias num escaninho na mesa da imprensa e saem com o original, em busca das cópias tiradas a carbono, referentes ao noticiário das outras delegacias.

3 – CRIME COMO EXCEÇÃO

Precisam passar, em determinados horários (quase à noitinha) em todas elas, mas Curitiba é pequena e ainda não foi dividida em distritos policiais. Só há “especializadas”, a Homicídios, a Furtos e Roubos, a de Falsificações e Defraudações em Geral, a de Menores, a de Tóxicos não foi instalada ainda: o que “rola” de droga em Curitiba é um mínimo. Nessa busca se entrecruzam os repórteres Luzimar Dionysio (“Meio Quilo”), da “Gazeta do Povo”, e Domingos Farias Melo (“Cem Gramas”), de “O Estado do Paraná”, que, como os apelidos indicam, não se notabilizam pela estatura.

Enquanto isso, se movimentam pelas ruas da cidade os repórteres de cobertura geral, como Bernardo Halfeld, de “O Estado do Paraná”, irmão de um célebre fotógrafo do Rio de Janeiro, que invade a área policial e faz uma descoberta no Lar Icléa, na Rua Saldanha Marinho.

Acolhida pelas irmãs Marchesini, operantes naquela instituição espírita, ali encontra a menor desaparecida há semanas e que mantinha em “suspense” a opinião pública, ainda não acostumada com acontecimentos do gênero, na pacata Curitiba. Em polvorosa ficam os repórteres policiais, sempre se precavendo contra “furos”, e reclamando agora da “desleal” concorrência de jornalistas que não são do setor. Bernardo, na verdade, nem sequer é jornalista: está em experiência. Com o “furo”, sim, consegue efetivação como repórter. Ironicamente, meses depois, desvia de rumo, tentando desenvolver atividade mais rendosa, como dono de oficina mecânica.

(PROSSEGUE)

Leia mais: Memória de jornal (I)

Leia mais: Memória de jornal (II)

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