sexta-feira, 28 março, 2025
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Maio Amarelo: a história do 1º acidente de carro em Curitiba

CMC – Os versos abaixo foram publicados, há 120 anos, pelo jornal curitibano “Diário da Tarde”. Na edição de 20 de março de 1903, a coluna “Casa da sogra”, que em forma de prosa narrava os acontecimentos da sociedade local, referia-se à chegada, um dia antes, ao porto de Paranaguá, do “primeiro importado para o nosso estado”.

“Vai causar enorme espanto,
Vai causar pasmo geral.
Essa coisa nunca vista,
Nas ruas da capital.
O povo, de boca aberta,
Há de ficar besta, imóvel.”

Segundo estatísticas do Departamento de Trânsito do Paraná (Detran-PR), do Governo do Estado, Curitiba possui, hoje, 1.536.860 veículos cadastrados, o que corresponde à quinta maior frota total do país. A maior parte da frota – 1.015.973 unidades – é formada por carros. Outro dado, conforme o Detran-PR, é que a capital teve 3.964 acidentes de trânsito em 2021, com 60 óbitos.

No entanto, o cenário no começo do século passado era bem diferente. Se hoje a população estimada de Curitiba é estimada em 1.963.726 pessoas, o Censo de 1900 registrou apenas 49.755 habitantes. À época, a cidade investia em obras de urbanização e de modernização, como para a melhoria dos sistemas de abastecimento de água e de iluminação pública, a implantação de calçadas e a pavimentação das ruas.

De olho no “embelezamento” da região central, ou urbana, a Câmara endurecia as regras para as construções, restringindo os imóveis de madeiras, por exemplo, aos subúrbios (segunda zona) e aos rocios (áreas ainda mais distantes). Outra lei do começo do século passado dizia: “é expressamente proibido estender ou bater capachos, tapetes, roupas etc.” nas janelas e sacadas de frente para a via pública. Teve, ainda, uma lei proibia “transitar em veículos de qualquer natureza ou a cavalo pelas avenidas e praças ajardinadas”, à exceção dos bondes.

Em 1903, quando o primeiro carro passou a circular nas ruas de Curitiba, fazia apenas cinco anos que o sistema público de transporte operava, com atraso, na capital. Eram os bondes puxados a mulas, que passaram a dividir espaço com as carroças e os cavalos. A cidade vinha se desenvolvendo graças à abertura da estrada da Graciosa, uma antiga demanda, concretizada em 1873, e pela inauguração da Estação Ferroviária, em 1885. As obras potencializaram o escoamento da produção de erva-mate, principal ciclo econômico daquele período.

E foi justamente um jovem industrial ervateiro curitibano, Francisco Fido Fontana, que, aos de 20 anos de idade, importou de Paris o primeiro carro de Curitiba. O veículo chegou ao Porto de Paranaguá, no dia 20 de março de 1903, a bordo do navio alemão “Holsatia”. “É o primeiro importado para o nosso estado”, registrou o “Diário do Paraná”. De acordo com o presidente do Museu do Automóvel de Curitiba, Luiz Carlos Cooper, o carro era da fabricante francesa Peugeot, do modelo Type 56.

Apenas dois meses depois, o jornal “A República” noticiou que o carro que pertencia a Fido circulava “a toda velocidade pela rua Campos Gerais” e quase havia atropelado duas crianças, “filhas do sr. Braga, que brincavam na porta de sua residência”. “A custo escaparam, sendo, porém, morto um cachorrinho pertencente àquele senhor”, afirmou, sem citar quem conduzia o veículo.

“Lamentável ocorrência”

“Lamentável ocorrência num automóvel”, escreveu, três meses depois do quase atropelamento, o “Diário da Tarde”. A matéria narrava o primeiro acidente de carro com uma pessoa ferida na cidade de Curitiba. Era um sábado à tarde, dia 15 de agosto de 1903. Segundo o jornal, o jovem ervateiro Fido Fontana, acompanhado de um tio, o “ilustre dr. Ermelino de Leão”, e de um funcionário.

O jornal conta que eles haviam saído da então colônia Santa Felicidade e “dirigiam-se em automóvel para o Bariguy”. “Em uma rampa bastante íngreme, demandando [dirigindo-se para] a chácara Schemelfeng, o break [freio] deixou de funcionar, não sendo possível sofrear [parar] o automóvel, que em carreira vertiginosa descia a ladeira”, escreveu o “Diário”. “Em uma curva brusca do caminho virou o automóvel, ficando gravemente ferido o sr. dr. Ermelino de Leão, que fraturou uma perna. O sr. Fido Fontana sofreu algumas contusões na face e no peito, assim como um criado que estava em sua companhia.”

Ainda segundo o relato do “Diário da Tarde”, a família de Ermelino de Leão foi ao local do acidente, acompanhada de dois médicos, que prestaram os primeiros atendimentos. Também foi enviada uma “ambulância da polícia”, que às 23 horas teria deixado a primeira vítima de acidente de carro, em Curitiba, em sua residência – localizada na rua Boulevard 2 de Julho, atual avenida João Gualberto, no Alto da Glória.

“Só hoje [17 de agosto] foi ajustado o osso que se achava fora do lugar, achando-se, infelizmente, a parte carnosa completamente esmagada”, continuou a matéria. “Desde ontem, tem sido muito visitado o ilustre dr. Ermelino de Leão, por pessoas de todas as classes sociais. Fazemos sinceros votos pelo completo restabelecimento do ilustre paranaense”, finalizou.

O jornal “A Republica”, por outro lado, foi bem mais sucinto ao relatar o acidente. A nota citou apenas o nome do dr. Leão e disse que ele, “acompanhado de outras pessoas”, seguia pela estrada de Santa Felicidade (atual avenida Manoel Ribas) quando “deu-se um desastre”, no qual fraturou a perna. Pouco mais de uma semana após o sábado fatídico, o “Diário da Tarde” comemorou: “Acha-se felizmente melhor do seu incômodo de saúde o distinto paranaense dr. Ermelino de Leão, tendo desaparecido os sintomas de fratura na perna”.

Onde foi o acidente?

Pelos relatos de 120 anos atrás, da imprensa local, sabe-se que o trio havia deixado a colônia Santa Felicidade, sendo que o trajeto era feito pela estrada de Santa Felicidade, a atual avenida Manoel Ribas, e se dirigia para “Bariguy”. Tal local, aliás, nada tem a ver com o tradicional parque de Curitiba – inaugurado em 1972, quase 70 anos depois do primeiro acidente de carro. Na verdade, “Bariguy” era o nome da região onde hoje fica o bairro Campo Comprido. A ligação se dava pela estrada do Mato Grosso, hoje a rua Eduardo Sprada. Lá ficava, por exemplo, o distrito Nova Polônia.

Uma das matérias também menciona que eles se aproximavam da chácara Schemelfeng. O nome, na verdade, foi gravado foi erro. O correto é Schimmelpfeng. O terreno, que deu origem à maior parte do bairro Bigorrilho, foi comprado, em 30 de junho de 1879, pelo empreiteiro alemão Albino Schimmelpfeng, que trabalhou em obras públicas como as das estradas da Graciosa e do Mato Grosso, conforme atas da Câmara Municipal. Ele também foi dono de uma olaria e de uma serraria.

A propriedade era usada como ponto de referência na região, o que explica a citação pelo “Diário da Tarde”. Em setembro de 1927, a antiga chácara deu origem à Planta Vila Schimmelpfeng. Seus 493 mil m², o equivalente a 49 campos de futebol, foram divididos em 586 lotes. Ela foi o maior loteamento do Bigorrilho, favorecendo a urbanização do bairro, hoje uma área nobre de Curitiba.

Resumindo tudo isso, as notícias do acidente evidenciam que o trio seguia, sábado à tarde, pela estrada de Santa Felicidade (avenida Manoel Ribas), em direção à chácara Schimmelpfeng (Bigorrilho). O carro teria ficado sem o freio numa curva, após uma ladeira. Nisso, o veículo teria descido, de ré, e tombado. Um passageiro, o dr. Leão, quebrou a perna, enquanto os outros tiveram apenas escoriações.

A reportagem da Câmara Municipal de Curitiba foi até a avenida Manoel Ribas para desvendar onde, afinal, teria ocorrido o primeiro acidente de carro de Curitiba. Não é possível cravar o local exato. No entanto, pelas características do terreno, o ponto mais provável para o tombamento fica, hoje, no bairro Cascatinha, na altura do número 3.200 da antiga estrada de Santa Felicidade (veja no vídeo).

Nossa Memória

Iniciado em 2009, pela Diretoria de Comunicação Social, o Nossa Memória é um projeto de resgate e valorização da história da Câmara Municipal e de Curitiba, já que ambas se entrelaçam. Além das reportagens especiais, a página traz, por exemplo, “Os Manuscritos”, que reúnem documentos desde a fundação oficial da cidade, em 1693, e o “Livro das Legislaturas”, com os vereadores da capital paranaense desde 1947.

 ** Confira aqui as referências usadas para a pesquisa histórica.

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