As surpresas também estão no passado. Foi o que aconteceu com o jornalista Walter Schmidt. Em busca de informações no Diário da Tarde, de 1904, sobre um dos filhos do brigadeiro Franco, o jornalista constatou que gente importante do mundo literário brasileiro, internacional e paranaense do fim do século 19 e início do século 20 teve textos publicados no jornal curitibano. Os escritos – romances e contos – eram apresentados em forma de folhetim, sempre no rodapé da primeira página do jornal.
O nome que mais chamou a atenção do pesquisador, em meio aos microfilmes do Diário da Tarde na Biblioteca Pública do Paraná, foi o de Machado de Assis (1839-1908), idealizador e fundador da Academia Brasileira de Letras e reverenciado como o maior escritor brasileiro. Em quatro capítulos, publicados de 11 a 15 de agosto de 1904, o jornal, que afirmava ser uma “folha imparcial e de maior circulação no Estado”, publicou o conto machadiano Pílades e Orestes (Pylades e Orestes na grafia original), que dois anos depois integrou o livro Relíquias da Casa Velha.
2 – SUGESTÃO DE HOMOEROTISMO
O conto deve ter provocado reações das mais surpreendentes na pacata e recatada Curitiba de então, embora conste que já havia na cidade movimentos de vanguarda. Pois bem, Pylades e Orestes, inspirado na mitologia grega, sugere, digamos assim, um caso homoerótico. Um dos personagens é rico herdeiro de grande fortuna, o outro vem de família humilde. Ambos são advogados, estudaram juntos, moraram juntos. O rico nunca trabalhou, mas foi eleito deputado. O outro sempre teve que trabalhar muito. Em determinada altura, o rapaz de origem humilde casa-se com a filha de um primo do amigo rico, com as bênçãos, aliás, deste amigo.
Machado, contudo, deixa dúvidas no ar: havia algo mais do que amizade entre os dois ou era a riqueza de um que atraía o outro?
3 – OS GRANDES NO “DIÁRIO”
É grande a relação de autores que eram publicados no Diário da Tarde. Só para citar alguns: Coelho Neto, Arthur Azevedo, Viriato Correa, Aluízio Azevedo, Guy de Maupassant, Lúcio de Mendonça (outro dos fundadores ABL), Paul Arène e o paulista Bento Ernesto Junior. E tinham espaços os paranaenses, como Lúcio Pereira, Silveira Neto (pai do escritor Tasso da Silveira) e Dario Vellozo, fundador do Instituto Neopitagórico. De Dario foi publicado em 56 capítulos o romance No solio do amanhã, que mais tarde virou livro. E aparecem também textos de uma escritora belga que morou em Curitiba, Georgina Mongruel, que simplificou o nome para Georgia. O que não se sabe, porque nada a respeito foi publicado, é se o jornal comprava o material ou se simplesmente o reproduzia sem preocupações com o direito autoral.
4 – TEMPO E PACIÊNCIA
Os folhetins do Diário da Tarde estão lá na biblioteca, na seção Paranaense. Basta ter tempo e paciência para usar as antigas e superadas máquinas leitoras de microfilmes. Em tempo: o governador Beto Richa e o secretário da Cultura, Paulino Viapiana, poderiam estender olhares para a Biblioteca, criando condições para a compra de equipamentos de digitalização e para a renovação de pessoal, pois muitos funcionários se aposentaram sem que houvesse concursos públicos para o provimento dos cargos vagos.
Ao jornalista Walter Schmidt, nome identificado com o bom jornalismo exercitado em diversos jornais e revistas – além de assessorias – de Curitiba, não sobra tempo. Vive envolvido com novos projetos. Mas lhe sobra paciência, o que gera descobertas como as agora reveladas pela coluna.