domingo, 19 janeiro, 2025
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Infração futebolística introduziu Belluzzo às teorias de Marx

Luiz Fernando Delazari, Adriana de França, Marcos Maliska, Luiz Gonzaga Belluzzo, Luiz Carlos da Rocha, Manoel Caetano Ferreira e Clèmerson Clève, no lançamento do livro de Belluzzo.
Luiz Fernando Delazari, Adriana de França, Marcos Maliska, Luiz Gonzaga Belluzzo, Luiz Carlos da Rocha, Manoel Caetano Ferreira e Clèmerson Clève, no lançamento do livro de Belluzzo.

Os keynesianos talvez suspeitassem; alguns antigos amigos dele já sabiam; para mim foi uma grata confirmação: o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, uma das mais respeitadas opiniões da realidade econômica brasileira (para o bem e para o mal) continua em boa parte o sendo um pouco mocinho que passou os cinco anos fundamentais de sua adolescência haurindo da formação dada pelos padres jesuíta.

Isso ficou claro durante a entrevista que fiz com ele, na noite de 12, no escritório do advogado Luiz Carlos França da Rocha, o “Rochinha”.

Infelizmente, não pude ouvir a palestra que Belluzzo e o constitucionalista Schier fariam, em seguida, naquela noite, no auditório de Rocha. Mas de nosso encontro – mais um que Rocha, este tipo ameno e antenado à realidade curitibana proporcionou a um grupo de amigos – sobraram anotações “de cabeça” e uma ampla entrevista gravada, que publicarei no Jornal Universidade, do Instituto Ciência e Fé, com partes a serem transcritas também neste espaço.

BRASIL DE TEMER

Lamento: não houve tempo para mergulhar no Brasil de Temer, de recolher a visão do mestre Belluzzo sobre o país depois do impeachment de Dilma Rousseff, de quem aliado, mas, é verdade, não incondicional. Um aliado crítico, que nunca deixou de registrar advertências ao Governo sobre inúmeros temas. Mas se manteve fiel às amizades, raridade nesses dias da política de hoje, quando mera insinuação de mudança de poder tem o condão de defenestrar “amizades eternas”.

À esquerda e à direita.

A VOCAÇÃO

Como cristão que é – e também admirador das propostas de Karl Marx e suas teorias –, Belluzzo vai esclarecendo: o seu período de maior vivência “dentro” da Igreja Católica, como instituição, ocorreu entre 1958 e 1962, quando estudou no Aloysianum o seminário dos jesuítas localizado na Rua Bambina, Botafogo, Rio.

Era um período pré-Concílio Vaticano II, de 1965, quando João 23 “abriu as janelas da Igreja ao mundo”.

Era um adolescente. Escolhera o caminho jesuíta por decisão pessoal, o que surpreendeu o pai, um delegado de polícia e depois juiz de Direito, homem de fé católica, descendente daqueles Belluzzo que, a partir do bisavô de Luiz Gonzaga, haviam trabalhado no final do século 19 em lavouras de café paulistas.

PRECONCEITOS

Foram empregados em fazenda dos quatrocentões Almeida Prado. E, por ironia, o pai de Luiz Gonzaga, um ‘italiano’ acabou casando com uma Pereira, família quatrocentona do paulistério. Essa foi uma união que rendeu toda a carga de preconceitos e anátemas próprios daqueles dias, diz Belluzzo.

Em meio a rememorações, Luiz Gonzaga Belluzzo me fez uma confissão surpreendente, se levarmos em consideração o ano em que ocorreu, 1958:

COMO PENITÊNCIA

– Descobri Marx ao cumprir penalidade que padre Arthur me deu por haver cometido infrações pesadas numa partida de futebol no seminário.

Ele me entregou o livro “Le Pensée de Karl Marx”, em francês, que depois resumi – conforme meu entendimento, a pedido do sacerdote.

Assim, o marxismo puro, sem as loucuras que o seguiram, surgiu em Belluzzo pela religião e o futebol – “fui sempre um doente por futebol”.

OS XINGAMENTOS

O futebol e a fé, e depois as teorias econômicas, nunca mais saíram da vida desse personagem conhecido pela forma aguerrida como defende sua visão à Keynes de Brasil, dono de uma legião de admiradores e de outra, de igual tamanho, de sistemáticos opositores. Desses, os xingamentos que recebem podem incluir “comunista”, como pejorativo e símbolo de filiado a teorias superadas.

Belluzzo não se importa. Concorda comigo, sobre o quanto comunistas como Stalin fizeram para colocar no limbo propostas marxistas e visões teóricas que, um dia, para surpresa geral, chegaram a ser “cristianizadas” por uma certa Teologia da Libertação, de que são expoentes o brasileiro Leonardo Boff e o peruano Gutierrez.

Marx é tão valioso no inventário intelectual de Belluzzo que deu o nome de Carlos (Karl) em homenagem ao teórico do marxismo a um filho seu.

TEMPO DE KEYNES

Leituras do momento são variadas, o ex-presidente do Palmeiras não sossega: sempre que pode atende a convites para falar sobre sua obra e seu pensamento, lançar seu livro, como fez com “O Tempo de Keynes no tempo do Capitalismo”.

Leitor cada vez mais assíduo – confessa – do papa Francisco, não precisa falar muito sobre o pontífice. O sorriso que acompanha sua rápida análise sobre a pregação de vida trazida pelo papa é suficiente para se entender que ele bate o martelo para Bergoglio.

Para ele, Francisco é a imagem clara do apóstolo que vive o Evangelho.

HANS KUNG

Outra admiração, de personagem que tem grande importância no mundo do pensamento cristão, é Hans Kung, o velho acadêmico alemão, outrora o grande contestador de Bento XVI, padre que se encaixa na categoria dos “libertários”, aqueles inquietos sacerdotes e bispos que não deram sossego à Cúria Romana e a papas como Bento e João Paulo II (especialmente).

O andar da carruagem, parece concluir Belluzzo (sobre a questão de “aggiornamento” da religião com o mundo secular), acabou dando razão a muitas teses de Kung. E que, de forma clara, o papa Francisco vai absorvendo, naquilo que não contraria a fé católica.

DONO DE ESCOLA

Sobre Bento XVI, concorda com uma observação que faço: trata-se de refinado pensador, um intelectual de longo alcance, um homem de espírito ímpar.

Dono de um dos mais reputados centros universitários do país, o FECAMP, em Campinas, SP – cuja sociedade divide com também economista João Manoel Mello -, em Campinas, Belluzzo é mesmo um ser múltiplo.

Aos 73 anos, às vezes acha tempo para revisitar fisicamente os endereços de sua infância/mocidade. Tal como fez, meses atrás, quando levou a filha para conhecer o endereço onde se deram os momentos básicos de sua informação intelectual, o seminário dos Jesuíta, Rio de Janeiro.

Foi uma redescoberta àquele tempo de muitos ganhos, presentes no Belluzzo de hoje: “vivaz, perscrutador, explosivo, apaixonado por suas causas, intelectual de raro coturno”, como o definem alguns de seus amigos.

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