Por André Nunes
Para quem cultua ou está familiarizado com religiões de matrizes africanas, é comum a associação de Iansã, a orixá dos ventos e tempestades, com uma borboleta. E com um búfalo. Afinal, essa grande yabá também conhecida como Oyá ou Santa Barbara (no sincretismo católico), pode ser leve como a brisa, mas intensa e guerreira como uma manada de búfalos quando necessário.

Essa premissa permeia o espetáculo Cárcere ou Porque as mulheres viram búfalos, apresentado pela Companhia de Teatro de Heliópolis (SP) nesta segunda (3) e terça (4) no Teatro da Reitoria, dentro da Mostra Lucia Camargo. Em cena, filhas de Oyá que contam com sua proteção para lidar com as agruras de uma vida marginalizada.

O público imerge numa história cíclica de uma família de mulheres que, há três gerações, convive com seus homens encarcerados. O pai, o marido, o filho, cada um por uma razão (ou falta dela), mas todos dentro de uma mesma sina social e racial, que condena corpos pretos desde seu nascimento.

O espetáculo dirigido por Miguel Rocha conta ainda com uma orquestra ao vivo e um cenário de celas, portas e janelas em constante movimento, remetendo às prisões literais e figuradas do dia a dia daquela comunidade, que ampliam as sensações causadas na plateia.

Cada ator e atriz tem seu momento de brilhar, em especial as irmãs Maria das Dores (Jucimara Canteiro) e Maria dos Prazeres (Dalma Régia), cuja intensidade transborda, comove e faz refletir. Como legítimas filhas de Iansã, encontram forças para viver e sobreviver diante de injustiças que colocaram na cadeia seu filho/sobrinho, estudante e desenhista, confundido com um bandido por “reconhecimento” de uma foto no Facebook.
Como crítica, o incômodo foram as quase 2h30 de espetáculo, meia hora a mais do que o previsto na sinopse. Assim como em outras peças do Festival, a duração alongada é desnecessária, cansa a plateia e faz pensar que várias das cenas poderiam ser sintetizadas para durar, no máximo, 90 minutos. Afinal, tempo de público no teatro é diferente do cinema…

Um Festival para Todos, como esta 31ª edição do Festival de Curitiba, merece o lema quando abre espaço em sua principal mostra à espetáculos como Cárcere, que aborda não somente vidas negras, mas dramas reais de pessoas periféricas em busca do mínimo de dignidade de um Estado que não as protege, nem oferece oportunidades.
Eparrey, Iansã!