quinta-feira, 10 outubro, 2024
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Erros e desdém da prefeitura deram fim ao mural “Jack Bobão” em Curitiba

Do Plural – Um mural que há quase dez anos fazia parte da paisagem urbana da cidade foi coberto por tinta cinza. A imagem desde 2013 atraía os olhos de quem passava pela lateral do Teatro Guaíra, quase na frente do Guairinha, e reunia técnicas de street art como stencil e grafite para retratar Jack Nicholson, numa referência ao filme “O Iluminado” (1980), com a frase: “Só trabalho sem diversão faz do Jack um bobão”. São tantas as imagens em redes sociais que é difícil apostar em um número exato de fotografias feitas com a arte em primeiro plano ou ao fundo. E é igualmente difícil encarar a confusão que terminou apagando o mural com algumas demãos de tinta cinza. Foi o fim de “Jack Bobão”.

Um dos mais recentes capítulos da saga foi uma tentativa do Prefeito de Curitiba, Rafael Greca (PSD), de apagar qualquer mancha que tenha respingado na imagem de sua gestão. Na sexta-feira (12), houve um encontro marcado às pressas, o resultado divulgado foi algo entre uma explicação e uma proposta com ares de acordo informal. Em sua conta oficial no Instagram, o prefeito disse que a pintura foi apagada por uma falha de comunicação entre o proprietário do edifício e a Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU), informação presente tanto no vídeo com a fala de Greca quanto na legenda do post.

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A parede agora cinza onde antes ficava o mural “Jack Bobão” (no detalhe, à direita). Fotos de: Tami Taketani e Facebook da Prefeitura Municipal de Curitiba

A matéria publicada no mesmo dia pela agência de notícias da prefeitura, que foi republicada por vários veículos de comunicação locais, acrescenta um dado sobre como a obra de arte foi viabilizada: por meio de “edital do Mecenato do Programa de Apoio e Incentivo à Cultura”. Trocando em miúdos, o dinheiro investido para criar e executar o mural veio de uma ferramenta de responsabilidade da Fundação Cultural de Curitiba.

Esses dois comunicados ainda falam que o autor do “Jack Bobão” aceitou o convite do prefeito para fazer um novo mural, ou até vários. A atitude nobre, além de não resolver a situação futura de muitas outras intervenções de street art que moram em Curitiba, pode ter sido erroneamente endereçada apenas ao artista localizado mais rapidamente para jogar água no incêndio. Talvez, aguarrás.

AUTOR DA OBRA

O mural apagado tem como autor Eduardo Melo, conhecido como Artestenciva, e não Celestino Dimas – que conversou e aceitou o convite de Greca. Dimas foi o proponente e idealizador de um projeto, chamado “Motion Layers”, que compreendia três artes de grandes proporções pintadas em prédios de Curitiba. Contudo, cada uma teve seu próprio autor. Além de “Jack Bobão” criado por Artestenciva, “Ray” (na Rua Marechal Deodoro) foi assinado por Leandro “Cinico”, e o “Romy & Woody” (ao lado da Biblioteca Pública) é de Dimas. Este último, entre os três painéis, acabou sendo produzido de maneira independente.

Eduardo Melo estava evitando se envolver na polêmica ao redor da pintura, porém o assunto se espalhou com o crédito da obra errado. Resolveu reivindicar o que lhe é de direito – a autoria do mural – porque as pessoas estavam olhando para esse fato como uma questão que se encerra sobre o painel e a cidade, apenas pertinente aos artistas enquanto grupo. “Mas é sobre a autoria de um artista, acho importante isso ser frisado agora para depois ver aonde essa discussão vai”, diz ele.

Para o autor, o apagamento do mural foi o fechamento do ciclo de uma obra de arte de rua. Por enquanto, não decidiu se aceitaria convites futuros do prefeito, certo é que não faria a mesma obra. “Eu tenho uma evolução na minha arte, uma evolução na minha vida, tudo isso vai agregando. Tenho valor artisticamente e estou no mercado, isso vai levantando outras questões para mim”, explica Melo.

OUTROS MURAIS EM RISCO?

Plural entrou em contato com os responsáveis pelos imóveis onde estão os ‘irmãos’ de “Jack Bobão” e descobriu que  Nem “Ray” nem “Romy & Woody” foram notificados até hoje. Na vizinhança de “Ray”, ainda existe um outro mural que atrai os olhos mais ou menos observadores. A pintura gigante da dupla de artistas Bicicleta sem Freio, produzida pelo Mucha Tinta, está no 686 da Marechal Deodoro; e os responsáveis pelo imóvel, também não foram notificados. Pelo menos, não ainda.

Contudo, a produtora cultural à frente do Mucha Tinta, Giusy de Luca, conta que o mural “Cosmic Boys” (Antigo Cine Condor, na rua Cruz Machado, esquina com Ébano Pereira) –  aprovado via mecenato subsidiado e assinado pelos artistas Rimon Guimarães, Ramon Martins e Zeh Palito – passou por problemas em 2017. “Fomos autuados pela Secretaria de Patrimônio Cultural e pelo Urbanismo, e denunciados para o Ministério Público por intervir próximo à área tombada e por não ter um alvará infundado de instalação de ‘propaganda’”, diz de Luca. Para resolver o caso, foi preciso o suporte do escritório de advocacia e de artes da UFPR, e da própria Fundação Cultural de Curitiba.

Ela ainda explica que os editais ligados a leis de fomento à cultura no estado e no município exigem em média 20 documentos entre solicitações, laudos e liberações. “Toda vez, quando tentamos o alvará na Secretaria de Urbanismo, o processo acontece de forma morosa (em torno de um ano para a liberação sair) depois de muito diálogo”, fala a produtora.

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