(por Antonio Carlos Costa Coelho)
Dizem os saudosistas, que os homens antigos eram mais sábios que os de hoje. Bobagem! Entre os antigos havia sabedoria como, também, havia ignorância. As duas, sabedoria e ignorância sempre conviveram lado a lado e, elas nunca escolheram ambientes para se fazerem presentes.
Na minha infância, entre os conselhos sábios dos mais velhos, apareciam também, as proibições mais absurdas. Por exemplo, a de comer mais de um ovo por dia, banana à noite ou melancia com leite. Tomar sorvete com a temperatura ambiente inferior aos 28 graus, nem pensar. Era resfriado e dor de garganta na certa. E, tomar sorvete, só se fosse acompanhado com um copo de água na temperatura ambiente. Era uma colher de sorvete e um gole de água, para não fazer mal.
E água gelada? Esta poderia deixar a boca torta, como aconteceu com o Custódio, aquele casado com a Esperanceta. Custódio tinha sofrido um AVC, e a sequela era tida como efeito maléfico da água gelada. E as mulheres não podiam lavar a cabeça quando estivessem “naqueles dias”. E elas, não raro “enlouqueciam” após os cinquenta anos. E como enlouqueciam! Menopausa enlouquecia, congestão e frio matava mais que “ bala de revorve”, diria o Adoniran.
Quando tinha nove anos, fui com a minha avó para Guaratuba. Era o mês de julho e fazia muito frio. Minha avó pregava: “para ficar forte era preciso tomar banho de mar às seis horas da manhã, em jejum”. E assim, ela me levou ao mar na hora certa. Fiquei roxo de frio. Tremia muito.
Ela, não sei como, naquela hora da manhã, encontrou um bar aberto próximo ao Morro do Cristo, e me fez tomar uma dose de cachaça para esquentar. Cachaça que não pagou. Enfim, era para fins medicinais e de urgência – “o menino estava passando mal”. Passado o efeito do mar frio, da areia gelada, da cachaça em jejum, minha avó justificou com “sabedoria”, o motivo do meu mal estar: “foi o camarão que ele comeu ontem. Fez mal pro fígado. Ele comeu demais”. E, como disse, se eu tivesse morrido naquela manhã de julho, a causa seria congestão.
Vento encanado e sereno, segundo muitos, já matou muita gente. Um ilustre curitibano, tendo perdido a mulher no parto, se viu sem razões para continuar vivendo. Não quis casar com a cunhada que, apesar da idade, tinha prendas suficientes para ser uma esposa sem defeitos. Preferiu a morte. Numa tarde de junho, saiu do trabalho, e foi em direção ao Beco da Pneumonia. Ficava no final da Rua Pedro Ivo. Chegando nas proximidades, o viúvo respirou fundo. Tirou seu casaco, o paletó, o colete, a camisa e, por fim, a sua camiseta. De peito nu, recebeu o ar gelado do Beco da Pneumonia. O pobre não durou muito. A febre alta e os pulmões cheios em pouco o levaram para o caixão. Morreu de tristeza e pneumonia, atestou o doutor. E no Beco da Pneumonia, quantos lá se suicidaram? Por amor, por dívida, por honra, sabe-se lá os motivos, mas contam que foram muitos os que se desnudaram diante do ar gelado da morte que soprava na Pedro Ivo.