segunda-feira, 10 fevereiro, 2025
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Clube das Tulipas Negras foi marco na vida da comunidade LGBT+ de Curitiba

Osvaldinho, o mordomo de casa senhorial, merece ser estudado pela forma pioneira com que foi se impondo na cidade. Assim como não se pode esquecer Frank, o “fanchão”

 

Tempus fugitt – o tempo voa, evoco a expressão de Virgílio, poeta, para breve consideração sobre a data de hoje, 28, dedicada no Brasil ao chamado Dia do Orgulho LGBT+, uma comemoração só possível aos tempos de hoje.

Até por isso, não posso fugir ao quase dever de citar nomes e dias em que a abertura para o universo LGBT+ inexistia em Curitiba. Na rememoração, volto, assim, à primeira série do ginásio, no Colégio Estadual do Paraná, ano 1953, quando na minha turma fomos assaltados por uma curiosidade enorme: Sidney, um aluno de ponta, carismático, bom em Exatas, fraterno, acabou “cometendo” confissão retumbante. Contou como e quando foi conhecer (na cama) o Osvaldinho, tipo humano raro, mordomo de família baú; ele habitava aquela casa senhorial num das esquinas da Praça Osorio.

Lá a travesti (“só dentro de casa”, explicava), foi iniciando muito marmanjo que depois encontrávamos em festinhas – as de 15 anos  dominavam -, agarrados com suas namoradas. Às vezes, tentavam bordéis, quando já um pouco maiores. A casa de Otília, na Marechal Deodoro, servia para o alívio que, diziam, as especialidades de Osvaldinho não garantiam.

Se vivo fosse, Osvaldinho poderia ser o grande homenageado LGBT+ de Curitiba. Foi pioneiro, enfrentou preconceitos e, de alguma maneira, o estigma que recai sobre a categoria.

Praça Osório antiga

HORA DA CANTADA

Osvaldinho, aparência de todo feminina, esbelto,  inaugurou longo e fértil reinado, “servindo não só  a estudantes em suas iniciações sexuais, mas também soldados que a ele procuravam”, me lembra JG, médico setentão. Ele  jura nunca ter requisitado os serviços do mordomo.

Confessa, isso sim, ter sido cantado por um político, deputado estadual, representante do Litoral na ALEP. Família de grande repercussão social nas colunas do Dino Almeida, Calil, Nelson  Faria e Celina Luz… Esse publico de meninotes enrustidos e vigiados por limitações de consciência e morais, queria, também,  quase sempre, dinheiro, que Osvaldinho não tinha. Pura desculpa para a iniciação carnal heterodoxa.

OS “FANCHÕES”

Na Boca Maldita, reduto dos “donos” da cidade,  reinava o Frank, um funcionário público que gozava de respeitabilidade grande entre a elite curitibana. Ele  se ufanava de “nunca ter deixado de ser homem”. Estaria preso hoje: seu universo de caça eram meninotes, coisas de pedofilia, então mais ou menos   aceita pela média da opinião pública que, nesse capítulo lembrava o carnavalesco JCO. Advogado de prestígio, carnavalesco e futebolista.

Era  mantenedor, sabia-se, de um cardápio sem limites de meninos. Era conhecido como “fanchão” – aquele “que apenas fazia (?) o papel masculino nos entreveros de cama com os adolescentes escolhidos a dedo! Os tempos e o estudos do  psiquismo humano mostraram: nada mais furado do que essa história de “fanchão”, um preconceito nascido e criado entre homossexuais brasileiros contra eles mesmos. Ou teria sido colhido na Argentina? No fundo, consideravam os demais homossexuais com “gente reprovável…”

Flor Tulipa Negra

CLUBES DAS TULIPAS, UM MARCO

Há pelo menos dois grandes marcos de quando os LGBT+ de Curitiba ensaiaram colocar as mangas de fora. Um, o mais notável deles, foi o chamado Clube das Tulipas Negras,  que  reunia a elite gay da cidade. As suas festas eram no edifício Kwasinski, na Praça Osório (sempre ela…).

Um colunista social que se ufanava de raízes nobres no Líbano de seus pais, o irmão de um ex-governador, e dois professores de Direito da UFPR, além do irmão de um banqueiro do Banco Comercial do Paraná. Isso no final dos anos 1950, começo dos 60. Ah, havia também médicos, como LM, eficiente no bisturi e na capacidade de travestir-se para puro exibicionismo. Não tinha parceiros sexuais.

O primeiro escândalo/crime envolvendo macabra junção dinheiro/gays, ocorreu no começo dos anos 1980. Foi quando o irmão do mencionado banqueiro escondeu seu amante no porta-malas e conduziu a própria esposa, mãe de deus filhos, para a cilada da morte, na RMC. O executor foi o rapaz que estava escondido.

O  mandante do crime, o irmão de banqueiro do Banco Comercial do Paraná, tinha como profissão ser jornalista. Chegou a secretariar um vespertino importante da cidade.

Tudo foi milimetricamente medido, inclusive – ou principalmente – o jantar oferecido à esposa, num restaurante, Schwartz Cats – de comida alemã , para “celebrar o casamento”, diria depois.

CASO DE POLÍCIA, APENAS

Esse caso foi um marco no mundo gay da cidade. E o crime foi desaforado para Porto Alegre. Esclareço: com a morte da esposa, o criminoso conseguiria passar ações de uma poderosa rede de comunicação, que estavam ”emperradas” pela vítima, que não queria vendê-las. A preço nenhum. E acabou morrendo pelas mãos do marido e seu namorado, um mecânico de Colombo.

Voltando ao Clube das Tulipas: o curioso é que com toda clientela de frequentadores, boa parte sendo amostra da elite do “velho Paraná”, a festança foi parar na polícia. Assim, de novo, um assunto do mundo da antropologia foi tratado como crime.

Claro que nos anos 1960/70, com a ainda Curitiba provinciana (estigma que Jaime Lerner tiraria da cidade), havia sempre uma maneira de o mundo gay se expressar noite a dentro, frequentando dois locais não de exclusividade gay: a Fontana Di Trevi (praça Osório) e a Confeitaria Iguaçu, também na mesma praça, tocada pela família Mehl.

JURACY AO FONE

Quem for levantar a história desse universo, com profundidade, vai encontrar, lá pelos anos 1950, aquele rico tabelião de Curitiba – de família tradicionalíssima -, que atendia o telefone assim: “Unidade, Unidade,  meia dúzia zero,  Jura ao fone…” Morreu em paz, dizem os relatos de sua morte. E poucos dias depois de ter transferido seu cartório, com milionária renda diária, ao seu distinto e discreto namorado que acabou sendo um dos ícones da cidade, sociality, futebolista, cabo eleitoral, benemérito de entidades caritativas…

Prefeitura de Curitiba. (Foto: Everson Bressan/SMCS/Arquivo)

Caso semelhante foi patrocinado por outro cartorário de Curitiba, que em tempos de heranças “por direitos do velho Paraná”, seguiu pelo caminho de Juracy. Em parte: mantinha dois irmãos, boas pintas, um deles jogador profissional que depois atuaria no Flamengo. Não ganharam cartório mas foram bem abençoados pelo “sugar daddy” (posso dizer assim?) que o mantinha a peso de ouro.

Depois, com a gradativa abertura para o LGBT+, a cidade foi aceitando a grande verdade: gays, lésbicas, trans e +, são parte essencial do nosso dia a dia, cidadãos de primeira classe que, agora, acolhem manifestações desse universo que, no RS, o ex-governador gaúcho faz ele declarar-se homossexual. E brindou o carnaval fora de época, com seu namorado médico do ES.

Apóstolo Paulo

MUSEU DO HOLOCAUSTO

A notícia do Museu do Holocausto que hoje publicamos, é um brinde ao  universo que não pode ser postergado, e que tem hoje em Curitiba entidades  cujas contribuição, em cultura gay, os nossos irmãos judeus prezam e chamam à luta comum pela liberdade humana.

Curiosidade: Jesus nunca se referiu à homossexualidade. Na Bíblia o tema está no Velho Testamento, e em cartas do Apóstolo Paulo, no Novo; Paulo é aquele mesmo que em Coríntios 12, advertiu: “Ainda quer falasse a língua dos homens e dos anjos, se não tivesse amor, nada disso se me aproveitaria…”

O renovador papa Francisco, que acaba de indicar novos cardeais, os que escolherão o seu sucessor um dia,  nomes  relevantes  nas ações e doutrinas da Igreja, mostra-se, é  “caridoso” com o universo gay. “Quem sou eu para condená-los? – perguntou ele em 2013.”

Palácio Iguaçu. Foto: José Fernando Ogura/AEN

Será que teremos no Paraná alguém como o ex-governador gaúcho, nas eleições de 2026? É possível, nomes na lista existem. Um deles poderá, se esse for o caso, compartilhar sua vida de democracia sexual,  como bom exercício de marketing. E até mesmo  para livrar-se de possíveis chantagens; antes terá de explicar como entende empregar recursos públicos para empregar jovens em cargos públicos  garantindo-lhes mordomias com dinheiro do erário.

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