
Eu, que pensara ter visto de tudo nessa vida, surpreendi-me: o padre-cantor ‘sertanejo’ Alessandro Campos tinha programado para ontem, 27, o lançamento de seu livro “Quer ser Feliz?”, nas livrarias Curitiba do Shopping Curitiba sob “revolucionárias” condições. Seria um dia de autógrafos, inusitado no mercado editorial brasileiro, com distribuição prévia de senhas a futuros compradores.
Que escritor outro pode exibir situação igual a essa?
No Brasil, ainda não o conheço.
DIREITO A FOTO
O release enviado à imprensa avisava que desde cedo do dia 27 seriam distribuídas 800 senhas (é isso mesmo); que cadeirantes e idosos teriam preferência na fila de autógrafos; e que a benção do sacerdote e direito a foto com ele, só para os que tivessem em mãos, pelo menos, um exemplar da obra.
APELO DA BATINA
Fenômeno do mundo midiático, em que se misturam o carisma do padre católico celibatário (“especialmente entre as fãs e as fieis, há sempre a doce esperança de ‘conquistar’ o sacerdote, suposto símbolo de pureza”, diz à coluna um sociólogo), padre Alexandro é ligado a uma Diocese do interior paulista.
Requebrando muito, calças apertadas, cantando medianamente, Campos exibe uma simpatia meio “prêt-à-porter”. Manipula facilmente charme rural, rusticidade aparente (?) e um português alheio a regras gramaticais.
O EMPRESÁRIO
Na verdade, o padre ‘sertanejo’ é um grande empresário e cantor, devendo movimentar R$ milhões/anuais com seus shows e uma grande equipe de apoio. Apresenta-se semanalmente na Rede Vida (depois de ter saído, brigado, da TV Aparecida).
Procure-se bem e poderá, ao fim e ao cabo, encontrar alguma entidade filantrópica que se beneficia de isenções tributárias, dando cobertura ao padre. A entidade, é claro, fará sempre alguma obra social…
Precisa ficar claro: a obra de padres como Alessandro não pode ser qualificada como da Igreja Católica. É particular, dele, um padre. E só.
Não há obrigação de entrada de dinheiro para a Igreja.
EXPLICAR SUCESSO
O mundo da fé mistura-se muito bem com o do ‘show’ da música popular em seus espaços amplos e com ingressos baratos. Mistura-se igualmente numa das melhores expressões da alma brasileira, os campos de futebol, onde o persignar-se em sinal de agradecimento sobrevive às proibições da FIFA sobre manifestações de fé. Sobrevive igualmente nas “graças” rendidas por jogadores evangélicos, com mãos levantadas aos céus, a cada gol. Ou nos gestos e claras manifestações da religiosidade afro-brasileira.
FENÔMENO CLERICAL
Os padres-cantores, projetados a partir dos anos 1970, com padre Zezinho (de fato, um compositor de belíssimas melodias de inspiração religiosa), não pararam mais de aparecer. Zezinho tem indiscutível qualidade e marca registrada de mau humor.
O mais estrondoso dos lançamentos, chamando a atenção da mídia e consolidando-se, nos 1980, como o maior fenômeno musical popular católico, foi padre Marcello Rossi, hoje um cinquentão. Difícil passar um mês sem que o nome do padre Marcelo esteja apresente, com um dos seus livros, nas relações dos autores de “best sellers”. A Veja e Folha de São Paulo testemunham esse sucesso de vendas de Rossi.
Isso sem contar que, bem-feitas, as contas indicarão que Marcelo Rossi é o cantor que mais vende discos no Brasil.
REGINALDO MANZOTTI
Outros padres-cantores existem. O mais bem preparado deles, com sólida formação teológica e filosófica, parece ser padre Fábio de Mello, que não persegue multidões. Há ainda padre Juarez de Castro, de São Paulo, igualmente com cantorias na televisão e shows. E outros menos cotados. Quase todos tendo uma identidade comum: deixaram a vida de padres de congregações religiosas, às quais estavam presos a rigorosa disciplina e controle de superiores hierárquicos. E se tornaram padres diocesanos, também chamados de seculares. Esse é o caso do ex-dominicano padre Reginaldo Manzotti, hoje possivelmente o vice-líder da audiência entre os padres-cantores, e com um portfólio de livros igualmente entre os bem vendidos no país.
