Ao final da leitura de 245 páginas do livro-álbum – assim denominado por sua especial identidade gráfica e dimensões de livro-de-arte (aquele que colocamos sobre as mesas para fácil acesso de todos) – a sensação que tenho é de plenitude espiritual.
Isso vem por conta do quanto redescubro partes do Brasil de sempre, depois de imergir em “Memórias de Alexandre Queiroz”, livro organizado pelas netas do personagem da obra, Dulce de Queiroz Piacentini e Olga Maria Krieger.
O livro leva a me reencontrar com um Brasil profundo, baiano nas origens, um tanto colonial, um tanto luso, um pouco barroco em parte de suas paisagens físicas e humanas. É um Brasil que não está nos folhetins, nas novelas e nas chamadas redes sociais e, por isso mesmo, profundamente reconfortante e identificador de nós mesmos, de nossas ancestralidades, localizando-se também, em boa parte, e com nova configuração, no Sul, em Santa Catarina. Pois em Joaçaba, SC, com Alexandre Muniz de Queiroz nasce uma nova e exemplar descendência, na qual italianos, alemães, russos, ucranianos, e outros “barriga-verde” misturam-se à baianidade da gente de Valença; gente de matrizes tipicamente brasileiras montadas a partir do Brasil Colônia.
GENEALOGIA BRASILEIRA
A obra me gratifica muito: investe na Genealogia, um dos ramos mais maltratados da História, no Brasil, país que não se preocupa com a sua ancestralidade, com a identidade da Nação, com o DNA físico e psicológico dos seres humanos que a formam. O que não é exatamente uma surpresa nesse país onde a educação de qualidade é ainda privilégio de poucos, daqueles que conseguem superar muitas barreiras, sobretudo econômicas, para firmar-se no direito à plena cidadania.
Seríamos frutos, pois, de equívocos. O primeiro deles, de nos desinteressarmos por nossas raízes, um desinteresse que revelou desleixo conosco mesmos, no passado, e se mantém no presente.
Não tenho dificuldades em afirmar que esse trabalho centrado na Ciência auxiliar da História, enriquece sobremaneira a Genealogia Brasileira. O livro tem fôlego intelectual, é também obra de amor, mas especialmente um “serviço braçal” pelo esforço que deve ter significado sua conclusão. E mais: é contribuição inestimável às poucas instituições privadas e públicas que trabalham a árvore genealógica da nacionalidade.
“BATISMO PELOS MORTOS”
Eu diria, mesmo, que o livro das netas de Alexandre constitui imensurável contribuição às poucas iniciativas brasileiras de levantamento genealógico. Uma das exceções é o trabalho dos Mórmons, de identificar genealogia em busca de elementos para o chamado “batismo pelos mortos”, e partir do qual já se configuram nítidas pegadas de nossos ancestrais. Os Mórmons, norte-americanos na origem, têm o mais precioso levantamento genealógico do país.
“O livro leva a me reencontrar com um Brasil profundo, baiano nas origens, um tanto colonial, um tanto luso, um pouco barroco em parte de suas paisagens físicas e humanas. É um Brasil que não está nos folhetins, nas novelas e nas chamadas redes sociais e, por isso mesmo, profundamente reconfortante e identificador de nós mesmos, de nossas ancestralidades, …”
Não louvo essa contribuição movido pela amizade que cultivo com parte da ampla família Queiroz, especialmente os irmãos Luiz Fernando de Queiroz e Maria Tereza Piacentini de Queiroz, que já foram personagens de meu livro Vozes do Paraná. A verdade é que a variada genealogia dessa rica estirpe baiana, registrada a partir do patriarca Enéas Vasconcellos de Queiroz, é toda uma preciosidade.
Os seus desdobramentos estão hoje presentes em boa parte do Brasil (e exterior): são os descendentes de Enéas Vasconcellos de Queiroz/Alexandre Muniz de Queiroz. Eles são muitas centenas, com impressionante presença bem qualificada em múltiplos campos da vida brasileira. É gente que, se por um lado está preocupada em formar currículo, muito mais do que isso se preocupa em construir uma produtiva história de vida no país. E com exemplaridade.
CAVALHEIRO RARO
Alexandre, a personagem central da obra, eu o conheci; chegou a defender uma causa cível minha em fórum de São Paulo, quando ele morava na Capital paulista. O mínimo que posso dizer de nossos contatos é que se tratava de um cavalheiro, coisa já rara naqueles anos 70/80, além de um profissional com largo saber jurídico. Precisaria dizer mais?
Dizer que o “Dr. Queiroz” – como assim era conhecido em Joaçaba e em toda Santa Catarina – foi um ser humano raro, dessas personalidades singulares, é pouco. Prefiro mesmo é deambular, como leitor atento, pelo universo de crenças, certezas, habilidades, paixões e motivações que resultaram na construção dessa personalidade envolvente, e de seus descendentes.
Assim, não tenho dificuldade em garantir que Alexandre Muniz de Queiroz deixou bem claras suas marcas, em suas andanças, em pelo menos dois Estados, a Bahia, da sua Valença natal – e onde tudo começou para o clã dos Queiroz – e Santa Catarina, onde se fixou, ao lado da catarinense Dulce, para semear seres humanos e sabedorias de uma boa estirpe. Deu continuidade, assim, à família baiana com a qual tudo começou, e onde diviso laços sanguíneos, já no século 19, com o Paraná, na figura histórica de Zacharias de Goes e Vasconcellos, o primeiro presidente da Província do Paraná, em 1853.
POLÍTICO E PROFESSOR
Na terra ‘barriga verde’ Alexandre pôde expor ao julgamento de seus concidadãos o quão múltiplo o advogado, outrora promotor baiano, seria na vida catarinense.
Em SC foi membro do ministério público, professor secundário e universitário, vereador por 3 mandatos, líder de clubes de serviço, político voltado de corpo e alma à sua comunidade, educador universitário, advogado, criador da OAB-Joaçaba, esportista, animador de enormes empreendimentos culturais e enxadrista…
“Dizer que o “Dr. Queiroz” – como assim era conhecido em Joaçaba e em toda Santa Catarina – foi um ser humano raro, dessas personalidades singulares, é pouco. Prefiro mesmo é deambular, como leitor atento, pelo universo de crenças, certezas, habilidades, paixões e motivações que resultaram na construção dessa personalidade envolvente, e de seus descendentes.”
A propósito: um dia ele declarou, em bom som, que o xadrez era sua maior paixão… quase sem limites.
Surpreendo-me quando descubro nesse homem conservador – mas não reacionário – seu profundo envolvimento com o esporte, sendo criador dos Jogos Abertos de Santa Catarina. E mais, foi não apenas criador de clube e federação de enxadristas na cidade e no Estado: chegou a vencer um grande mestre do xadrez internacional, em eslavo a quem Alexandre desafiara…
MEMORIALISTA
Eis um exemplo de quanto esse Alexandre podia surpreender: nos 50 anos de Joaçaba, a cidade que adotou como sua, ele venceu barreiras, muitas, e lançou um álbum histórico, documentando em texto e material iconográfico os passos dados pela cidade rumo à sua emancipação, até se tornar referencial no Oeste catarinense. Isso pode parecer simples nos dias de hoje, mas não foi naqueles dias de limitados recursos de toda ordem, especialmente os gráficos e de documentação, sem tempos não digitais.
Para mim, só esse espírito de documentarista, como o do “Dr. Queiroz”, num país sem memória, já é definidor de uma alma exponencial, com larga visão abrangente e de responsabilidade social com o futuro.
O álbum foi apenas um exemplo de liderança que ele exercia com “naturalidade”, sem imposições, sem julgamentos, com o notável dom de convencimento que sua atitude respeitosa garantia.
A leitura do livro organizado pelas netas – com apoio de centenas de familiares – me indica ainda que ele era ‘o fiel no pouco’ (“in pauca fideles”) e assim garantia o muito -; mas também era o homem que encarnava de forma decidida o mandamento neotestamentário – “seja teu sim, sim; teu não, não”.
HOMEM DE FÉ
No decorrer das páginas vou descobrindo características humanistas e cristãs muito fortes nesse homem, como, por exemplo, quando escreve uma longa carta, explicando a um dos seus filhos (que depois seria reitor da Universidade de Santa Catarina) porque ele tinha forte crença no Criador.
Não faz pregações vãs, não contesta o ateu (ou agnóstico?). Diz o porquê de sua fé, admitindo que o filho estaria passando por momentos de dúvidas comuns à juventude.
Mas se manteve, em tudo fiel no muito, na defesa do transcendental.
Tenho para comigo que essa fé de Alexandre confirma aquilo que um dia escreveu o filósofo francês Emile Duckheimer. Esse estudioso do fenômeno religioso, quando analisa as formas elementares de religião identificadas na Austrália, pontifica: “o homem de fé é um homem mais forte…”
Ao interromper por minutos a leitura sobre Alexandre Queiroz, vou confirmando, cá comigo, a sabedoria de um velho adágio judaico, coisas do Antigo Testamento, e depois repetido por Jesus Cristo: “Pela árvore conhecereis os frutos…”
Alexandre sempre teve pedigree. Mas não correu atrás de fortunas materiais; no entanto, viveu uma vida muito confortável, alargou sua visão de mundos em roteiros internacionais, sempre acompanhado dos seus, a quem ia transmitindo sua pedagogia de vida em viagens que nada tinham a ver com essa corrida maluca pelos shoppings e os parques temáticos, as quais hoje enlouquecem os viajantes tupiniquins no exterior.
Afinal, o sobrinho-bisneto de Zacharias de Goes Vasconcellos tinha mesmo de se marcar por outras tonalidades, como os grandes voos do xadrez, e ser fiel à herança recebida do patriarca Enéas Vasconcellos de Queiroz.
Mais não relato – como, por exemplo, as máximas de Alexandre de Queiroz – porque acho que o leitor tem a ‘obrigação’ de descobri-las e, se possível, assumi-las.
SERVIÇO
Pré-lançamento de “Memórias de Alexandre Queiroz”
Editora Bonijuris
Dia: 22 de abril, sexta-feira
Horas: 19h30 min
Local: durante jantar, no Restaurante Mezza Note, em Santa Felicidade
Adesões: telefone (041) 32 24 27 09