Por Nina Lemos, da coluna “O estado das coisas”, da Agência DW – O ano de 2022 sempre será lembrado por mim com um certo pavor. Isso porque no ano passado recebi uma tempestade de ódio online difícil de descrever. Não foi a primeira vez que, como jornalista e feminista, sofri ataques, mas entre agosto e outubro a situação chegou a um nível que fez com que as principais associações de jornalistas do Brasil se preocupassem com meu caso.
Não fui a única, claro. Os ataques contra jornalistas e ativistas foram terríveis durante o governo Bolsonaro. E esses ataques miravam principalmente as mulheres. O que aconteceu com as pessoas que cometeram esses crimes contra mim? Por enquanto, nada. E a maioria desses conteúdos de ódio e com uso da minha imagem e com ofensas continua online.
Se esses ataques tivessem vindo da Alemanha, talvez isso fosse diferente, ou pelo menos eu e outras vítimas teríamos mais ferramentas para nos defender.
Isso porque, por aqui, existe legislação contra fake news e crimes de ódio online. Em outras palavras, as redes sociais são reguladas desde 2017, quando entrou em vigor a lei NetzDG (Lei de Fiscalização da Rede, em tradução livre). Entre outras coisas, essa lei obriga as grandes plataformas a removerem discursos criminosos, sob pena de altas multas.
De 2017 para cá, a lei só endureceu. Desde o ano passado, se você publicar conteúdo de ódio em rede social, pode acordar com a polícia na porta da sua casa. Isso acontece porque os provedores passaram a ser obrigados a enviar os dados de quem praticou o discurso de ódio para a polícia federal.
Se funciona? Acho que nem sempre, tanto que outras leis já são planejadas, mas com certeza ajuda. Acredito que essa medida pelo menos faz com que os valentões da internet pensem duas vezes antes de publicar suas ofensas.
Tema levado a sério
Não estou falando que a Alemanha conseguiu solucionar esse problema. De jeito algum. Mas, pelo menos, aqui isso é uma preocupação constante e esse tema é levado a sério.
Devia ser assim em todos os lugares, não? Nos últimos meses, as formas de combater o ódio online passaram a ser discutidas. E um projeto de lei, o PL 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, pretende colocar alguma ordem nessa “terra sem lei”.
Comparado com a lei alemã, o PL é muito brando. Mas é um começo, já que, por exemplo, obriga que decisões judiciais que determinem a remoção imediata de conteúdos ilícitos sejam cumpridas em até 24 horas, sob pena de multa. E também que, como já acontece na Alemanha, as plataformas disponibilizem aos usuários mais mecanismos de denúncia.
Mesmo esse projeto sendo bem “light “, ele tem causado escândalo. “Censura!”, gritam alguns. Vi também comentaristas falando que o PL das Fake News remetia a países “que não eram democráticos “. Epa, então a Alemanha, que tem uma lei muito mais dura, não é uma democracia?
Acho que não é por aí. E não acredito, realmente, que caluniar, ameaçar, mentir e estimular violência seja “liberdade de expressão”. Inclusive porque, fora da internet, fazer essas coisas já é crime. Ou as pessoas podem andar pela rua se xingando e ameaçando?