segunda-feira, 30 junho, 2025
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Curitibana, reclusa em Bérgamo, relata crise do Corona a partir do “campus”

Mariana, 21, estudante de Design da UTFPR, Curitiba, é curitibana testemunha ocular do que se passa em parte de Bérgamo, na Lombardia, região onde se localiza o maior número de vítimas do covid-19 na Itália. Morando na Residência Universitária da Universidade de Bérgamo, desde o ano passado, ela estava cumprindo o segundo semestre de aulas como intercambista, dividindo apartamento com outras quatro estudantes. Aulas foram interrompidas. Mas o olhar de Mariana enxerga sutileza, como a de colegas intercambistas chineses que, no começo do ano, como que vivendo premonição sobre a pandemia, começavam a estocar alimentos.

Mariana continua lá, não a deixam sair do país. Ela é filha de um casal de médicos, Dr. Zella e a médica Maria Augusta Karas Zella.

Maria Karas Zella, médica, mãe da estudante

O leia breve depoimento da estudante:

MUNDO DO DESIGN

Meu nome é Mariana Karas Zella, sou estudante de Design da UTFPR há 5 anos. Estou fazendo intercâmbio na cidade de Bergamo na Unibg, uma das cidades mais atingidas pelo coronavírus.

Comecei o intercâmbio ano passado em agosto pelo programa de Mobilidade Internacional da universidade. Sempre quis estudar na Itália devido a grandes nomes do Design serem provindos deste país, inclusive queria muito ver as feiras e participar do cotidiano criativo das cidades.

Escolhi Bergamo por essa ser a única cidade na Itália com que a UTFPR possuía relações. Me inscrevi e consegui passar junto com outra amiga que ficou por aqui seis meses.

A universidade que estou não possui o curso de Design, estou estudando matérias variadas de engenharia, comunicação e línguas, adicionando mais ao meu repertório profissional. As viagens que fiz, elas sim foram minhas “aulas de design”. Cada uma com grandes museus, estilos de vida diversos, cursos e workshops gratuitos etc.

COMEÇA O CORONA

A situação do coronavírus começou no início deste semestre. As aulas e provas do semestre anterior estavam acabando em janeiro, assim, intercambistas que ficaram comigo semestre passado estavam indo embora e novos chegando.

Com essa troca já senti a cidade se esvaziando. Aqui, pela minha impressão, é uma cidade majoritariamente universitária. Os novos alunos chegavam aos poucos, as aulas da universidade de engenharia eram para começar no dia 25 de fevereiro.

Minhas novas colegas de apartamento chegaram no início do mês, uma húngara e duas mexicanas. Durante o decorrer dos dias fui ajudando com que elas se instalassem, fomos atrás de roupas de cama, toalhas, equipamentos de cozinha, etc., para que se sentissem em casa.

Universidade de Bérgamo, Itália

CHINESES PREVENIDOS

Aqui não tenho televisão ou rádio, encontro as notícias no celular, e não estávamos preocupadas com o corona.

Amigos meus chineses, do semestre anterior, que ficariam comigo o ano todo, já haviam começado a estocar comida e a não sair de casa desde o início de fevereiro. Achávamos que eles estavam exagerando, só havia registro de 2 casos na Itália e eles já estavam isolados, então vida que segue.

Fizemos então nossa primeira viagem juntas, para o carnaval de Veneza, o que inclusive foi o último fim de semana de carnaval graças ao vírus. Não estava tão movimentado, eu esperava um clima mais animado porque né, Brasil, mas não. Muitas pessoas fantasiadas e tudo normal.

DESCOBRINDO A LOUCURA

Eu e alguns amigos voltamos no sábado porque teríamos compromisso domingo, deixando as mexicanas na cidade. Durante o retorno começamos a ler as notícias e descobrimos a loucura que o país se tornou.

Foi um susto muito grande. A universidade publicou cancelamento das aulas. Alguém da Lombardia estava com o vírus e não havia entrado imediatamente em quarentena, o que foi espalhando o vírus. Não entendíamos direito o que estava acontecendo, mas queríamos correr pra casa e não tocar em nada.

CORRIDA AO MERCADO

Começaram as corridas para o supermercado. Domingo eu também fui e estava uma loucura. Produtos acabando e rapidamente sendo repostos, filas enormes, pessoas indo fazer compras 2, 3, 4 vezes para estocar. Álcool não existia mais, nem máscaras ou luvas, mas elas já haviam acabado nas semanas anteriores. Lembro de ter tentado comprar por prevenção.

Minhas amigas que estavam em Veneza conseguiram voltar na segunda feira. Segundo elas, trens lotados. Conseguiram comprar uma máscara cada e álcool gel na estação, tentando ficar calmas o tempo todo.

vista geral de Bérgamo

GRIPE ASSUSTA

Todas as minhas 3 flatmates estavam gripadas pois, além do corona, estava na época de gripe. Nenhuma fez febre, mas na nossa cabeça estávamos todas com corona psicológico.

Ao mesmo tempo que é trágico é engraçado. O corona demora 14 dias para surgir e pode parecer uma gripe, e nós estávamos no meio de uma multidão em Veneza e agora com gripe. Chamem os paramédicos! huahauhau, mas não, estava tudo certo.

Minhas colegas começaram a escrever para as universidades em casa sobre a situação. A faculdade no México ofereceu que se elas resolvessem voltar poderiam continuar as aulas como se nada tivesse acontecido.

Assim, tentei contatar minha faculdade no Brasil, mas como não existem protocolos para: Pandemia Mundial, demoraram para responder.

DE VOLTA AO LAR

Ajudei minhas colegas mexicanas a refazerem as malas e a ir para o aeroporto. Eu e a húngara aproveitamos o trajeto para passear em Milão. Nunca vi o Duomo tão vazio. Tinha mais pombos que pessoas. Foi o último dia que conseguimos realmente sair de casa para passear.

ZONA VERMELHA

Depois de retornar de Milão, descobrimos que os representantes do país estavam conversando sobre tornar Bergamo uma zona vermelha. A cidade em si não possuía tantos casos, mas as cidades ao redor sim. Bergamo estava praticamente cercada de zonas vermelhas.

Esperando as respostas durante o fim de semana, eles resolveram que sim, Bergamo seria zona vermelha, mas não somente a cidade, a Lombardia inteira, a partir de segunda.

UM PAÍS FECHADO

Então, novamente, começou a correria. Quem ainda estava na Lombardia tentando escapar para o sul, ou para outros países na Europa. A confusão foi tanta que fecharam o país. Não só Bergamo ou Lombardia… A ITÁLIA INTEIRA.

No começo foi um choque. Mas o que poderia fazer? Só continuar vivendo mais fechado em casa. No início lojas ainda funcionavam. Restaurantes, desde que mantivessem a distância de um metro entre consumidores, também. Universidade passou a dar aulas online pelo Microsoft Teams.

Mercados funcionavam normal, bastante comida para todos, só precisava cuidar mais da higiene e agora não teria mais como sair.

SUPERLOTAÇÃO

Até que o número de casos e a super lotação dos hospitais começou a acontecer. As leis ficaram mais rígidas. Começaram a fechar todos os estabelecimentos, apenas permitindo farmácias e mercados de funcionarem.

Agora existe uma quantidade x de pessoas permitidas em cada estabelecimento. Filas são formadas nas portas dos mercados, sendo permitidos 5 pessoas de cada vez. Essa semana começaram a implementar termômetros para antes de entrar medirem sua temperatura.

TUDO EXPLICADO

Para sair de casa, você precisa de um papel, informando sua destinação e de onde vem. Os policiais podem te parar na rua e, caso sua motivação para sair não seja aceita, podem te cobrar até 200 euros de multa.

Apesar do medo que a situação traz, as pessoas parecem estar esperançosas. Nas janelas vemos arco íris desenhados com a frase: Andrà tutto bene, tudo vai ficar bem, e a bandeira da Itália. Vejo que as pessoas estão apostando na solidariedade para esse momento difícil.

Não tenho jornal, ou televisão, então vejo as notícias e as movimentações pelos celulares. Pessoas cantando nas janelas, famosos italianos fazendo lives, doações de empresas e artistas.

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