Fortuna de super-ricos é ‘incontrolável’, diz o sociólogo Antonio David Cattani, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com formação na Paris-Sorbonne, diz ter escolhido um caminho diferente de 99% de seus colegas. Enquanto a maioria dos cientistas sociais se debruça sobre questões relativas à pobreza e a miséria, Cattani resolveu desbravar o outro lado da problemática da desigualdade social – a extrema riqueza, ou os super-ricos.
A escolha já foi mais difícil de ser justificada. Desde que o francês Thomas Piketty tornou-se um best-seller com a tese de que o capitalismo está concentrando renda em vários países, o que ocorre no topo da pirâmide social global tem ganhado um pouco mais de espaço nos debates de economistas e sociólogos – ao menos no exterior.
Entrevista publicada pela BBC Brasil, apresentada em sua terceira e última parte:
“O senhor menciona no livro a série de TV Mulheres Ricas, de 2012. Temos os colunistas sociais, revistas sobre ricos e famosos… Até que ponto o mundo dos super-ricos está mesmo oculto, como o sr diz?
Um famoso apresentador de TV pode tirar uma foto em seu iate para mostrar como é bem sucedido. Mas essa publicidade é pouco relevante – e eles só mostram o que interessa. O próprio Eike era uma exceção. Há toda uma camada de ricos do setor financeiro, do agronegócio que são discretíssimos, não tem interesse nenhum em se mostrar. Circulam inclusive em outra esfera, internacional.
Afinal, há algum problema em ser milionário ou bilionário? Não é “justo” que um indivíduo talentoso e trabalha duro possa gozar dos frutos de seus esforços?
A partir de um certo nível muitas fortunas não tem mais origem no empreendedorismo, mas em situações de poder. É esse o caso dos monopólios, por exemplo, que reduzem a eficiência da economia como um todo. Ao anular a concorrência, um determinado grupo impõe seu preço, sua prática de negócios, se vale de mecanismos tributários para aumentar sua riqueza.
TALENTO: MITO
É um mito essa ideia de que toda riqueza é produto de talento e trabalho duro. Há fortunas que são, sim, resultado de um esforço legítimo e talentos empresariais. Mas há também herdeiros que não fazem bom uso do que receberam, multimilionários de mentalidade rentista, riquezas montadas a partir de privilégios e práticas ilegítimas. A riqueza extrema também pode ser nefasta para os negócios, para a democracia e para o próprio capitalismo. Ricos brasileiros têm quarta maior fortuna do mundo em paraísos fiscais.
CAMINHO CERTO?
O Brasil é um dos poucos países em que a desigualdade de renda teria diminuído nos últimos anos. Estamos no caminho certo?
Estamos no caminho correto das políticas públicas para redução da pobreza, mas as distâncias entre os ricos e os demais ainda são imensas. Há muito a fazer no tema da concentração de renda. O problema é que quem está no topo da pirâmide quer manter seus privilégios. No Brasil, o pobre paga proporcionalmente mais imposto, por exemplo. Não há impostos sobre heranças e doações, como em muitos países desenvolvidos. Também não há imposto sobre dividendos e rendimentos do capital. Quem ganha milhões com dividendos não paga nada, enquanto um assalariado a partir de dois mil, três mil reais já paga imposto de renda. Precisamos de uma reforma na área tributária, além de um combate mais firme a paraísos fiscais.
EQUILÍBRIO SOCIAL
Por que é importante combater a desigualdade? Não basta combater a pobreza?
Enquanto não avançarmos nessa área, não teremos uma sociedade mais equilibrada, com mais qualidade de vida e no qual todos tenham boas oportunidades de trabalho para desenvolver suas capacidades. Há estudos que mostram que a violência está diretamente relacionada às distâncias sociais, por exemplo. Além disso, a partir de determinado patamar, a concentração de renda prejudica a eficiência de uma economia, tira dinamismo do mercado interno. É melhor ter uma fortuna reinvestida na produção, gerando emprego, do que imobilizada em uma mansão luxuosa ou em contas no exterior.
Opinião de Valor: sociólogo estuda fortuna dos super-ricos (parte I)
Opinião de Valor: sociólogo estuda fortuna dos super-ricos (parte II)