
O publicitário curitibano Eloi Zanetti, agora aposentado e morador da Serra da Mantiqueira está colocando em crônicas a sua visão sobre o que vê na região. Prepara aos poucos um livro sobre a vida e os costumes locais. Recentemente publicou uma crônica sobre “a pamonha”, costume também presente no Norte Velho do Paraná que recebeu no início do século passado forte influência mineira – tanto que a região era chamada por Colônia Mineira.
Seu texto despertou em André Alves de Assis, gerente de desenvolvimento do cooperativismo da Sicredi, pé-vermelho de Rio Bom, o seguinte comentário onde fala da visão sobre esta iguaria de origem indígena de outro pé-vermelho de Londrina – o professor e filósofo Mario Sergio Cortella:
A PARTE DE CADA UM
“Fazer pamonha no interior, como bem retratou, assim como matar um porco, é um evento que envolve toda a família, onde cada membro tem uma função e responsabilidade, desde as crianças, que tiravam o cabelo do milho.
Em um dos nossos encontros com professores do PUFV, trouxemos o professor e filósofo Mário Sérgio Cortella. Ao final de sua palestra, uma das professoras pediu a palavra e perguntou sobre sua visão do aumento da violência nas escolas. Cortella, que passou a infância em Londrina, respirou fundo e respondeu:

PRA FICAR JUNTOS
“As famílias precisam voltar a fazer pamonha. Não se faz pamonha para comer pamonha, mas para passar o dia inteiro juntos.”
SOCIALIZAR-SE É PRECISO
Ou seja, as famílias precisam voltar a se socializar, as crianças precisam entender que cada um tem uma função, por mais simples que seja, que é importante e faz parte de algo maior; que as coisas não nascem prontas, que dá trabalho, mas ao final é recompensador.
Foi uma aula e tanto: “Fazer pamonha e a socialização.”
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Quem quiser pamonha, que procure fazer…
Por Eloi Zanetti
Como novo morador da Serra da Mantiqueira, fui convidado para uma pamonhada na cidade vizinha de Passa Quatro. E o que era melhor: era pamonha feita com milho crioulo. Por aqui é tradição famílias convidarem parentes e amigos para o ritual da primeira pamonha da estação. É trabalho completo: ajudar a colher o milho, debulhar e ralar as espigas, peneirar, fazer os embrulhos, cozinhar… E, finalmente, comer em uma grande festa.
TIRAR CABELOS
Ao receber o convite, lembrei-me de minha mãe ralando o milho, passando a massa pela peneira, embrulhando os “copinhos” e cozinhando em fogo alto por quase uma hora. Tias e vizinhas vinham ajudar no processo. A nós, crianças – eu e minhas irmãs –, restava o trabalho de tirar os cabelos das espigas. Junto com a pamonha também eram feitos o curau e o bolo de milho. O sinal de que já estavam no ponto era o delicioso aroma de milho verde que se espalhava pela casa; sabores e cheiros de infância que a gente nunca esquece.
HERANÇA INDÍGENA
Esta iguaria é oriunda dos costumes indígenas de quase toda a América Latina e parte Oeste dos Estados Unidos e foi-se adaptando de acordo com o local, tipo de milho disponível, gosto dos povos e ingredientes disponíveis para os recheios. O milho e a mandioca foram a base da alimentação indígena antes da chegada dos europeus. Na região São Paulo, Paraná e Minas comia-se mais milho do que mandioca – enquanto que no Norte e Nordeste a mandioca predominava. Creio que é assim até hoje.
MUITOS NOMES
No Brasil, recebeu o nome de pamonha, no México de tamales, no Peru, Argentina e Chile de humitas, na Nicarágua de nacatamal e na Venezuela, de hallaca. Cada lugar tem a sua particularidade de recheio, mistura e até tipo de embrulho. Aqui ela é enrolada em folhas de milho verde frescas amolecidas em água morna; no México, em palha de milho seca ou em folha de bananeira ou figueira e é recheada com carne.
SALGADA E RECHEADA
No Nordeste é comida tradicional em festas juninas e não se coa a massa; já em Goiás faz-se pamonha salgada, recheada com carne de boi, porco e, é claro, pequi. A massa pode ser doce ou salgada e os recheios mais comuns são o queijo e o coco ralado. São tantas as variações de recheio, que ficaria tedioso enumerá-las. No Brasil apreciamos mais a pamonha doce, criada com a chegada dos colonizadores. Como sou um cara esquecido das coisas práticas da vida, sempre que ia à feira em Curitiba aos domingos de manhã, ligava para a Elisa, minha mulher, e perguntava – doce ou salgada? Doce. Era a resposta do outro lado.
RECEITA MATERNA
Infelizmente, não tenho a competência de um Dorival Caymmi para escrever e musicar uma receita como ele fez com maestria na música “Vatapá?”
(Quem quiser vatapá, que procure fazer… primeiro o fubá, depois o dendê. Procure uma nega baiana ô que saiba mexer…bota castanha de caju, um bocadinho mais, pimenta malagueta, um bocadinho mais….). Mas, de uma forma mais convencional, repasso a receita da minha mãe, começando pelo ponto do milho: o melhor é quando ele está nem muito mole e branquinho, nem muito duro e amarelo. Se o cabelo do milho estiver soltando, é sinal que ele já não presta mais para fazer pamonha. Ao descascar a espiga, jogue fora a palha externa e as próximas do sabugo, deixando as maiores para fazer o copinho.
Rale as espigas – aqui em Minas é comum usar um ralador feito em casa, que consiste em uma chapa de metal furada com um prego grosso, depois invertida com a saída dos furos para fora e pregada numa placa de madeira. É muito eficiente. O processo mais bruto é coar e passar a massa em peneira fina para retirar as cascas do milho. Para quem não está acostumado, as mãos irão doer e os dedos muitas vezes serão ralados juntos – e como doem.
Tempere com açúcar a gosto. O truque é colocar um pouco a mais de açúcar, porque no cozimento a massa irá perder um pouco do sabor. Alguns experts dizem para se colocar uma pitada de sal para ajudar a realçar o doce da pamonha.
POR UMA HORA
Depois é só colocar o caldo no recipiente feito com a dobradura das palhas e amarrado com uma tira da própria folha ou preso com elásticos de prender dinheiro. Coloque em água fervente, cubra com as espigas e o restante da palha e deixe cozinhar por mais ou menos uma hora. É melhor não mexer enquanto cozinham, porque o recheio pode se espalhar pela água da panela.
DESGASTES
Com a industrialização, as pamonhas passaram a ser vendidas nas beiras de estrada e em carrinhos pelas cidades, o que trouxe um certo desgaste no sabor, já que em vez de ser ralado e peneirado, o milho é processado em liquidificador. As pamonhas ficam aguadas e muitas chegam ao ponto de venda azedas. Com a perda da tradição da feitura, aos poucos o povo vai deixando de apreciá-las e trocando-as por outros alimentos. Na zona rural, os jovens já não querem mais se dar a este trabalho: colher, ralar, coar e cozer… preferem alimentos processados. Esta moleza nos costumes diz bem a condição de um indivíduo preguiçoso e sem iniciativa, ou seja, um pamonha – outro significado para a palavra.
Fui aos dicionários de nomes indígenas para saber a origem da palavra:
alguns autores dão como “pamonã – pam – bater amassar – monhã – fazer batendo”; outros com apá-mimõia – envolvido e cozido. Apareceu até a palavra pa’muñã que significa “pegajoso”. Vai saber quem tem razão, eram tantas as tribos no Brasil.
(Contatos: eloizanetti@gmail.com.br)