quarta-feira, 25 dezembro, 2024
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Saul Raiz, a morte de um gigante das obras escondidas

Saul Raiz

A morte de Saul Raiz, na madrugada do sábado, em Curitiba, priva-nos de uma excepcional testemunha/agente da História Contemporânea do Paraná, registrada a partir do governo Ney Braga, em 1961, quando ele foi parte do grupo de “cabeças coroadas” que Ney escolheu na Universidade Federal do Paraná para compor seu o primeiro governo. O grupo era de jovens recém formados no Curso de Engenharia Civil da UFPR, e do qual faziam parte, entre outros, Affonso Alves de Camargo Neto e Karlos Rischbieter. A recomendação dos escolhidos foi feita pelo então reitor Flávio Suplicy de Lacerda.

Padre Louis Joseph Lebret

Saul, um dínamo para o trabalho, ficou com uma das partes mais exigentes do processo de modernização do Paraná que Ney daria início e obedecendo, em grande parte, aos planos montados pelo padre Jodseph Lebret, o belga que capitaneava o movimento Economia e Humanismo, gestor e planificador de obras na Europa, e com atuação também em Estados brasileiros como São Paulo e Minas Gerais.

Ney Braga

Obcecado pelo trabalho, Raiz – filho de um casal de judeus poloneses, assim como Jaime Lerner -, teve como primeiro desafio implantar a Rodovia do Café, que iria ligar o Norte do Estado a Curitiba, com asfalto de qualidade e planificada nos moldes do melhor daqueles dias. Num longo depoimento que deu a meu livro Vozes do Paraná, Retratos de Paranaenses, Saul revelou ter-se “mudado, de fato para os canteiros de obras”. Aparecia em casa nos finais de semana.

A presença de Saul Raiz no lançamento de um dos Volumes de Vozes do Paraná.

Esse era o estilo de Saul Raiz: imergir plenamente no trabalho, com alta qualidade técnica que ele colocou também na iniciativa privada ao ocupar uma das diretorias da Klabin. Ney não só fez de Saul Raiz o socorro presente toda vez que queria enfrentar um grande desafio administrativo. Colocou-o, por exemplo, na promissora Secretaria de Desenvolvimento dos Municípios, no segundo Governo.

Lá Saul tinha dinheiro sobrando – grandes quantias ele trazia de Brasília, liberadas pelo presidente Geisel, amigo de Raiz; na Secretaria, apoiado pelo discernimento de Lubomir Ficinski, Raiz tratou de pavimentar o que deveria garantir sua eleição segura ao governo do Paraná. O que, no entanto, não aconteceu. Saul perdeu as eleições.

Antes, fora escolhido prefeito de Curitiba, sucedendo a seu amigo Jaime Lerner. Fez uma administração de rara qualidade, mas sem a grandiloquência de obras visíveis. Foi o prefeito que, literalmente, enterrou dinheiro em áreas essenciais, nem sempre geradoras de votos. Exceção foi o asfalto com que dotou a cidade por meio do Projeto CURA, Comunidade Urbanas de Recuperação Acelerada. Isso sem falar que, ao mesmo tempo, “esburacou a cidade”, implantando milhares de quilômetros de redes de esgotos.

Saul Raiz

A memória da cidade será sempre agradecida ao Saul que enfrentou desafios que se agigantavam havia dezenas de anos, como os das enchentes que imobilizavam grande parte de Curitiba, a começar pelo Centro, como Rua XV de Novembro, Rua Voluntários da Pátria, Praças Osório e Zacarias, e avenidas enormes, como a Cândido de Abreu.

A canalização dos rios que cortam Curitiba foi outra face desse homem que apenas quis cumprir sua missão, embora “enterrando obras”, como também a canalização da Avenida Mariano Torres, entre obras ciclópicas para aqueles dias, anos 1970. Saul foi não apenas um raro administrador. Mais que isso, ele foi simbólico administrador da coisa pública, compromissado com o bem comum. Dele nunca houve dúvidas quanto a se tratar de um “varão reto”, acima de suspeitas.

Saul conseguiu, nos governos Ney Braga, ser um judeu membro do PDC, o Partido Democrata Cristão; nenhum problema para o homem compromissado com uma espécie de redenção de Curitiba e do Paraná. Tarefas que levou até o fim. Nos últimos 10 anos, vivia recluso, em casa. “Ele nunca se recuperou da morte de Mitz”, diz Clara, uma amiga da família, referindo-se à esposa de Saul.

Hoje sou obrigado a faltar com promessa que fiz a Saul, a de não mencionar o breve episódio que narro a seguir: no começo dos 2000, assaltado e baleado em rua central de Curitiba, à tarde, conseguiu chegar a um hospital da Rua Vicente Machado, com projeteis no corpo. No hospital, foi recusado.

Quem o salvou foi um pobre homem, cuidador de carros, que assumiu a direção da camioneta de Saul e o levou ao Hospital Evangélico. Agradecido ao seu salvador, um operário de salário mínimo, deu-lhe uma casa digna e muito apoio, em seguida. Assim era Saul Raiz, um herói da Curitiba ele muito amou.

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