sábado, 13 setembro, 2025
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Ziraldo completa 90 anos: cartunista uniu humor político a tato com crianças

Foto: Ricardo Borges / Folhapress

Folha de S.Paulo

Na despedida de sua cidade natal, Caratinga, em Minas Gerais, Ziraldo Alves Pinto queria se tornar o maior desenhista do mundo. Tinha 18 anos e já dava sinais de ser, por inteiro, sem modéstia, Ziraldo. Ao completar 90 anos nesta segunda-feira (24), o cartunista demonstra que não foi pequeno o esforço para cumprir o sonho megalomaníaco em sete décadas de carreira.

Ziraldo criou charges, cartuns, pinturas, cartazes, murais, histórias em quadrinhos, livros infantis e crônicas. Além disso, transbordou o limite de uma folha de papel e virou um intelectual público disposto a distribuir opiniões para salvar o mundo. Sempre se considerou um “aspite”, isto é, um assessor de palpites. Para evitar mal-entendidos, chegou a propor a adoção do ponto de ironia na língua portuguesa.

“Ele tem a volúpia de ser amado por todo o mundo. Era corajoso, enfrentou a ditadura, mas, sempre que uma pessoa brigava com ele ou parecia brigada, ele se transtornava. Ziraldo era também o oposto. Adorava receber visita enquanto estava trabalhando”, diz o crítico Sérgio Augusto.

O humor de Ziraldo se expandiu na revista O Cruzeiro e ganhou expressão política a partir de 1963, no Jornal do Brasil. Em 1974, uma torrente de discursos de congressistas da Arena em louvor ao ditador Ernesto Geisel, que havia citado o partido no discurso de posse, motivou uma charge em que o nome da Arena estava na saia de uma prostituta. Ela dizia, eufórica: “Ele sorriu pra mim… Ele sorriu pra mim…”.

“Foi a minha charge que mais repercutiu. Chamei a Arena inteira de prostituta. E a Arena não me processou”, disse ele ao repórter Claudio Leal, da Folha, em 2010. “O político não deve passar recibo.”

No Jornal dos Sports, em 1967, Ziraldo editou o suplemento Cartum JS, revelando os novatos Henfil e Miguel Paiva. Criado em 1969, no vácuo do Ato Institucional nº 5, o AI-5, o semanário humorístico O Pasquim contribuiu para a transformação de Ziraldo em um artista popular.

Como definiu Millôr Fernandes, o jornal reunia uma porção de pessoas que você não podia comprar com dinheiro. À essa altura, se não era o maior desenhista do mundo, Ziraldo se firmava como o maior de Caratinga e um dos melhores do Brasil.

O salto para a literatura infantil deu um rosto mais terno ao mineiro. A revista da turma do Pererê, editada entre 1960 e 1964, e os livros “Flicts”, de 1969, e “O Menino Maluquinho”, de 1980, viraram fenômenos editoriais. Convertido em avô tagarela das crianças brasileiras, ele passaria a visitar escolas em todas as regiões do país, sendo o arauto das reinações da infância.

Muito antes de “O Menino Maluquinho” ser um sucesso nas telas ou virar uma série de animação na Netflix, ele quis ser cinema, criando cartazes para os filmes “Os Cafajestes” e “Os Fuzis”, de Ruy Guerra, além de “O Assalto ao Trem Pagador”, de Roberto Farias. Mas não emplacou o de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, rejeitado por seu diretor, Glauber Rocha, que preferiu entregar a missão ao designer tropicalista Rogério Duarte.

Aos 90 anos, afetado por acidentes vasculares cerebrais, Ziraldo vive sem desenhar. Ao seu enteado, Claudio da Rocha Miranda, ele disse que depois de ter sobrevivido à Covid-19 e a todas as doenças imagináveis, só pode morrer de acidente de barco ou helicóptero.

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