sexta-feira, 9 maio, 2025
HomeDestaqueUrbanismo: Tempos sombrios para monumentos ‘bons’ e ‘ruins’

Urbanismo: Tempos sombrios para monumentos ‘bons’ e ‘ruins’

Por Marcus Gomes* – Difícil saber se os furtos ou a destruição de bustos e monumentos nas metrópoles de todo o mundo são efeito de reparação histórica ou econômica. Em 2020, a estátua de Edward Colston, um traficante de escravos do século 17, que era também filantropo, foi derrubada de seu pedestal e jogada no Rio Avon, no Reino Unido, para que se excluísse da memória do cidadão civilizado a barbaridade da qual nos envergonhamos: privar de liberdade nossos semelhantes, diferentes não em raça, mas em cor.

Dois anos antes, a prefeitura de Curitiba havia tomado decisão que mandava retirar 40 monumentos de lugares públicos para abrigá-los em museu, porque o bronze com o qual as peças são fabricadas é alvo de ladrões.

De uma maneira ou de outra, por motivos que, na aparência, parecem inspiradores ou que são apenas atos de vandalismo em troca de dinheiro, o que restava de símbolo, amargo ou doce, de nossa história vai sendo surrupiado das cidades sem qualquer controle.

Foto mostra manifestantes jogando estátua do traficante de escravos Edward Colton no Rio Avon, na Inglaterra. Foto: Sputnik / Pixabay

É o caso do monumento dedicado ao professor Alfredo Parodi, na Praça Rui Barbosa, centro da capital. Mandado erguer por alunos, colegas e amigos na década de 1950, o busto que mostra um homem jovem, de cabelos penteados para trás e gravata borboleta, agora é uma figura anônima porque a placa de metal que o identificava foi furtada.

Na prática, o vandalismo é o mesmo. Na tentativa de preservar o patrimônio público, prefeitos transferem monumentos para lugares fechados, subtraindo-os da memória urbana porque o espaço que ocupam não é seguro. Vandalizamos, assim, a nossa história porque à mercê da ação de canceladores ou surrupiadores, mas também da omissão do administrador.

Em coluna publicada na Folha de S. Paulo, no ano passado, Demétrio Magnoli já refletia sobre o tema, argumentando que a retirada de estátuas, seja por furto ou por “ação cultural”, impunha o esquecimento, quando o motivo da homenagem erigida, ao fim e ao cabo, é a prova material de uma época.

Tratamos de Edward Colton, porque sua imagem representa a de alguém que fez fortuna com a escravidão, e de um professor do antigo Colégio Iguassu, pela cobiça pura e simples do bronze de que foi feito o seu busto, mas eles não estão sozinhos. Cristóvão Colombo, Pedro, o Grande, Thomas Jefferson, Borba Gato, Machado de Assis e Monteiro Lobato não passariam no teste de valores contemporâneos, no primeiro caso. Madre Maria dos Anjos, Nilo Cairo e Victor Ferreira do Amaral, estes fundadores da UFPR, no segundo.

Mount Rushmore, nos EUA

“A derrubada de estátuas por motivos ideológicos, religiosos, políticos ou por vandalismo puro e simples, poderia, in extremis, por abaixo até mesmo o Monte Rushmore, na Dakota do Sul, onde estão esculpidas as figuras de quatro presidentes americanos. Washington, Jefferson e Teddy Roosevelt são considerados racistas. Lincoln promoveu a abolição, mas não achava que negros deveriam ocupar cargos”.

 

No crepúsculo político e ideológico da União Soviética, foram-se abaixo estátuas de Joseph Stálin em vários países da Europa, da Ásia e da América. Pois vide agora, de forma declarada ou sub-reptícia, monumentos ao ditador ganhando novas formas ou facetas. Tivessem ficado onde estavam e, talvez, sua figura permanecesse como cicatriz histórica e um alerta do passado.

No Rio de Janeiro, registrou-se, em abril de 2022, a 13ª vez em que os óculos da estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, feita de cobre, foram furtados no calçadão de Copacabana. Na ocasião anterior, segundo relatos da polícia, os óculos teriam sido vendidos a um taxista por R$ 3.

O curitibano, que se orgulha de sua cidade, quer evitar comparações, mas elas são cada vez mais visíveis. O roubo da placa de bronze que identificava o busto do professor Alfredo Parodi, na Rui Barbosa, é só um exemplo daquilo que não queremos para o nosso futuro. Certamente a recuperação da placa seria um excelente passo para evitar o mesmo destino dos óculos de Drummond ou a submissão ao Ministério do Esquecimento. Tudo que não precisamos é a perda de nossa memória.

*Marcus Gomes
redacao@bonijuris.com.br

Leia Também

Leia Também