
Vi e acompanhei o nascimento de Antoninho Martins Vaz – Toninho Vaz – para o jornalismo, no final dos 1960, em Curitiba. Ele trabalhou em veículos que dirigi, como quando fui editor do DP Domingo, o caderno Cultural do Diário do Paraná. Lá estreitamos nossa boa convivência, pois a pedido de Toninho Martins Vaz acolhi nas páginas do então mais importante jornal paranaense, o “bando de malucos” (assim eram eles nominados pelos conservadores) capitaneado por Paulo Leminski.
Toninho era discípulo que ‘sentava à destra’ de Leminski. Ele conseguiu que eu ficasse como uma espécie de assessor de imprensa informal do escritor de “Catatau”, difundindo suas ideias e as de seu grupo. Trabalho que exercitei abrindo as portas do jornal para eles.
Com o tempo, Toninho publicou a mais completa biografia de Leminski – “O Bandido que sabia latim” (e na qual me cita como um dos primeiros apoiadores do Manifesto Apuru).
Nos últimos anos, Toninho e a família de Leminski entraram em conflito: eles proibiram reedições da biografia: insistiam que Toninho Vaz expurgasse referências ao suicídio de Pedro Leminski, irmão de Paulo.
Com a liberação das biografias pelo STF, a coluna ouviu Martins Vaz.
Leia a entrevista, a seguir:
1 – “O BANDIDO QUE SABIA…”
a) Então, diante da decisão do STF, você vai encarar novo e mais amplo perfil do Leminski?
TV – Não vejo necessidade de mudar a biografia que já existe, “O bandido que sabia latim”, que considero um amplo perfil do Leminski. A biografia foi censurada pela família exatamente por este motivo, ser ampla.
b) Caso positivo, deverá acrescer novos elementos, alguns dos quais a família do Polaco já teria vetado, ou não?
TV – Não está nos meus planos acrescer nada além das 8 linhas polêmicas que motivaram a censura das herdeiras do poeta. O livro estava indo para a 4ª edição.
c) Como os escritores especializados em biografias – quase sempre oriundos do jornalismo – encaram esse “novo céu e nova terra” de liberdade?
TV – Foi o fim de um período de trevas e, claro, espera-se que novos ventos de liberdade venham fertilizar a nossa cultura. Como bem disse a ministra Carmem Lucia, do STF, “cala a boca já morreu”.
2 – A VIDA DO ZÉ RODRIX
d) Quais seus próximos biografados? Os trabalhos estão adiantados ou apenas você tem esboços e projetos em andamento?
TV – Tenho apenas um esboço de uma nova biografia, um projeto em andamento com três meses de pesquisa. É para desvendar a vida do Zé Rodrix, um músico e um personagem espetacular. Formava o trio Sá, Rodrix e Guarabyra e dele pouco se sabe, não fosse um aplicado membro da maçonaria brasileira. Eu tenho a simpatia da viúva, Julia, e dos seis filhos.
e) Escrever biografias de pelo menos um grande escritor brasileiro, o Trevisan, deve ser um desafio enorme. Ele, afinal, está celebrando 90 anos de vida e, ao que consta, vivendo uma fase romântica em sua vida pessoal.
O Trevisan e o Rubem Fonseca merecem biografias?
TV – Dois grandes personagens, por acaso ligados à melhor literatura produzida no Brasil. Claro que merecem uma boa biografia. Como curitibano que sou, estou sempre questionado com relação ao Dalton Trevisan, mas sempre digo que certamente existe gente em Curitiba mais qualificada que eu para fazê-lo.
3 – VILLA-LOBOS
f) Nos seus planos antigos, que personalidades fariam parte de sua lista de próximos biografados?
TV – Eu sonhei fazer uma biografia completa (e necessária) do maestro Villa-Lobos. Por ser alto o custo de produção (na época o orçamento passava de 500 mil reais), fui orientado a inscrever o projeto na Lei Rouanet, mas nada consegui. Durante cinco anos seguidos eu tentei, mas, como trabalho sozinho, apenas com uma advogada para questões jurídicas, acabei desistindo. Mas o nosso maestro merecia um estudo melhor sobre sua vida e obra.
g) Você acredita que ainda permanecem medidas restritivas à livre geração de biografias não autorizadas, apesar do STF?
TV – Sempre vai existir alguém como o Roberto Carlos, que teme a exposição pública, ou como o Djavan, que pensa que os biógrafos ganham muito dinheiro. Tirando o Ruy Castro e o Fernando Morais, não acredito que existam outros biógrafos afortunados no Brasil. Falo isso sem mágoas ou ressentimentos, pois nunca escolhi um personagem pelo seu potencial de venda. Pelo contrário, Paulo Leminski, Torquato Neto e Solar da Fossa são pérolas, apenas pérolas.
O SUICÍDIO DE PEDRO FOI CENSURADO PELA FAMÍLIA LEMINSKI
Trecho censurado do livro PAULO LEMINSKI, O BANDIDO QUE SABIA LATIM, de Toninho Vaz.
“O suicídio de Pedro Leminski
Pedro estava pendurado com uma corda no pescoço na posição inequívoca de um enforcado, ainda que com os pés no chão e os joelhos dobrados. O corpo pendia apoiado no guarda-roupa, indicando que corda havia cedido com o seu peso. Um rapaz que ocupava o aposento ao lado apareceu com ares de espanto.
(Carlos Augusto Oliveira, o Caco, era vizinho de quarto e um dos últimos amigos de Pedro. Ele afirma ter visto Pedro, dias antes, bastante descontrolado, consumindo uma mistura de álcool, água e limão; cigarro de todos os tipos e drogas injetáveis. Pedro frequentava as madrugadas da pracinha ao lado do cemitério municipal, onde agora existia uma pista adaptada para skatistas. É de Caco também a informação de que Pedro, nesses últimos dias, estava lendo o livro Elogio à loucura, de Erasmo de Rotterdam, numa tradução de Stephan Zweig.)”