domingo, 1 junho, 2025
HomeAgenda CulturalFestival de CuritibaRei Lear é a primeira no mundo com elenco todo de drag...

Rei Lear é a primeira no mundo com elenco todo de drag queens

No início, era uma grande incógnita! Agora, toda a equipe da Companhia Extemporânea celebra o sucesso de público e crítica de Rei Lear.  Na montagem que faz parte da 33ª edição do Festival de Curitiba, dentro da Mostra Lúcia Camargo, a dramaturgia shakespeariana se encontra com a vida da drag queen contemporânea.

A homenagem da companhia teatral ao universo drag conquistou público e crítica, desde a estreia em agosto passado. A protagonista, Alexia Twister, inclusive venceu o Shell de melhor ator. No Festival de Curitiba, a peça foi uma das primeiras a esgotar os ingressos. As apresentações serão nos dias 31/3 e 1º/04, às 20h30, no Guairinha.

Com figurinos de Salomé Abdala e visagismo de Malonna e Polly, a montagem da Cia. Extemporânea imagina um mundo drag, onde todos os eventos e conflitos são modulados por essa estética. Nessa perspectiva, Lear é uma “mama drag” e suas filhas estão disputando o poder.

Em cena está o que a diretora chama de drag total. Para além da comicidade a que fomos habituados a vê-la, toda a força da sua linguagem está direcionada para capturar a profundidade e a ressonância do registro trágico. “A gente quis fazer o maior desafio e já fomos direto para a tragédia mais desafiadora e uma das mais longas do Shakespeare – e uma das mais difíceis também”, pontua a diretora, Ines Bushatsky, que desde 2017 vem maturando essa ideia.

Rei Lear. Crédito: Matheus José Maria

O Rei Lear é uma peça com duas narrativas acontecendo ao mesmo tempo, são muitos personagens. Para Bushatsky, muito do sucesso se deve à adaptação e tradução do texto do João Mostazo, que codirige a companhia ao seu lado.  “Ele fez um texto muito aberto, muito liberto, e ao mesmo tempo muito fiel à poesia e à tragicidade do Shakespeare.  Fomos fiéis à tragicidade, sabendo que as drags trariam um tempero de comédia”, acrescenta.

A Mostra Lucia Camargo no Festival de Curitiba é apresentada por Petrobras, Sanepar, CAIXA e Prefeitura de Curitiba, com patrocínio de CNH Capital – New Holland, EBANX, ClearCorrect – Neodent, SEBRAE, Viaje Paraná – Governo do Estado Paraná e Copel – Pura Energia, além do patrocínio especial da Universidade Positivo.

Drag queen não é bagunça

Foto: Annelize Tozetto

Por Sandoval Matheus – Quando a diretora Inês Buchatsky informou DaCota Monteiro de que iria montar “Rei Lear”, o mais trágico dos textos de William Shakespeare, com um elenco formado apenas por drag queens, a primeira reação do ator foi de descrédito. “É claro, boa sorte pra você, dirigindo drag queens”, pensou, ironicamente.

Oito meses após a estreia, no Teatro Anchieta do Sesc Consolação, em São Paulo, o espetáculo é sucesso de público e crítica. Em cartaz no Festival de Curitiba, foi um dos primeiros a ter seus ingressos totalmente esgotados, e viu seu protagonista, o ator Alexia Twister, vencer o Prêmio Shell, a mais importante honraria do teatro nacional.

“Pra mim, foi um processo difícil. É um personagem que tem quatrocentos anos e que já foi interpretado pelos maiores nomes do teatro nacional”, contou Alexia, durante entrevista coletiva na Sala de Imprensa Ney Latorraca, no Hotel Mabu. “Mas o que ele te dá de desgaste emocional, te devolve em glória.”

“Eu sou ator há mais de trinta anos, e muitas vezes enfrentei dificuldades pra encontrar trabalho, por ser afeminado. Não passava nos testes”, continuou. “O prêmio tem uma importância não só pra mim, mas pra toda uma comunidade. Eu penso na minha ancestralidade drag, que sofreu, apanhou, lutou. E para quem está por vir. A gente mostrou que é possível.”

Historicamente, a ideia de montar “Rei Lear” com drag queens nem é assim tão despropositada. Há quem dia que o termo “drag” foi cunhado por Shakespeare, uma sigla pra “dressed resembling a girl”, rubrica usada pelo dramaturgo inglês pra indicar que determinado papel deveria ser feito por um homem travestido. À época, não era permitido às mulheres atuar.

Foto: Lina Sumizono

“Eu amo drags e gosto muito de qualquer coisa com drags. Eu fiz a peça que eu gostaria de ver. As drags têm uma potência que a gente precisa trazer pra roda”, disse Inês Buchatsky. “Ser drag não é só colocar uma peruca. Tem que entender de atuação, de canto, de dança, de maquiagem, de costura, de iluminação. São muitas artes envolvidas”, completou DaCota. “Até por isso, não estamos acostumados a ser dirigidos. Sempre fazemos tudo sozinhos.”

Ao contrário do que pode parecer aos desavisados, o espetáculo é consciencioso na adaptação do texto original. “As pessoas chegam no teatro pensando que vamos subverter Shakespeare, rasgar o texto. Muita gente, quando pensa em drags, pensa imediatamente em patacoada. Mas a gente queria fazer uma tragédia, mesmo. A mais longa e mais difícil obra de Shakespeare”, explicou João Mostazo, responsável pela nova versão. No trabalho, ele fez um esforço de síntese, diminuindo o número de personagens, cortando algumas cenas e diminuindo a duração da peça, além de substituir alguns vocábulos, tudo pra deixar a montagem mais palatável ao público contemporâneo.

“A gente também queria fazer uma peça popular, que todo mundo entende”, argumentou Inês Bushatsky. “É como eu acho que devemos tratar os clássicos, como se fossem contemporâneos. Se não eles ficam congelados no tempo”, continuou João.

O desejo, agora, é aplicar a mesma receita a outros totens shakespeariano. Os projeto, no entanto, ainda precisa ser viabilizado financeiramente. “Estamos conversando. Fizemos um case de sucesso. Foi um elenco que deu muito certo. Pra continuar, precisamos de dinheiro”, admitiu a diretora. Por ora, melhor se concentrar em colher os louros pelo trabalho já feito. “Estamos no Festival de Curitiba e isso é muito foda.”

Leia Também

Leia Também