Katia Michelle – Dia desses, Dona Volnete Giotto Rocker reuniu a família em volta da mesa para um prato que fez história: o tortéi de abóbora. Adaptada ao longo do tempo e dos paladares, a receita carrega afeto e atravessa gerações. Desde quando era feita em casa até o momento em que foi preciso escolher a dedo um fornecedor da massa, generosamente recheada com abóbora cabotiá, como dizem os mandamentos das boas receitas italianas. O molho, no entanto, ainda guarda segredos que não podem ser reproduzidos.
A receita foi trazida para o Brasil pelos imigrantes italianos durante a colonização. Especialmente para o Rio Grande do Sul, onde nasceram Humberto e Albina, pais da autêntica cozinheira. “Meus pais valorizavam muito a comida. Tinham passado pela guerra e, com ela, pela fome. Por isso, para eles, a refeição precisava ter de tudo: carne, peixe, frango”, conta. A mesa era farta e sagrada. Era o centro da casa.
Por isso, para ela, comida sempre foi sinônimo de afeto. “O tortéi de abóbora é um desses pratos que carrego como herança da minha mãe, um preparo típico dos italianos que ela fazia com muito carinho. Lá em casa, falava-se só italiano com as minhas tias e só depois o português começou a reinar”, revela, evidenciando que a mistura de cultura e idioma está presente também na cozinha.
Dona Volnete: “cozinha é afeto”.
O Tortelli di zucca, como é conhecido na região da Lombardia, onde foi “inventado”, era feito pela mãe de Volnete com molho de galinha. “Mas cada um faz do seu jeito. “Eu, por exemplo, gosto de fazer com posta vermelha. Coloco sal, pimenta, páprica doce, folha de louro. Vai tudo na panela de pressão por uns 40 minutos, com cebola e seis ou sete tomates. Depois, tiro a carne e acrescento os pimentões vermelhos e amarelos, que vão se desmanchando no molho. A noz-moscada aparece aqui também, como no recheio da massa, e é marca da família”, diz, com jeito de quem ainda tem um segredo imperscrutável na manga.
O importante é que o molho cobre os tortéis quentinhos. Devem ser servidos numa travessa farta, porque o que não pode faltar é apetite. Um outro ingrediente também é necessário: gente reunida em volta da mesa para relembrar histórias – reais ou inventadas – mas que despertam o afeto que só as boas memórias podem proporcionar.
*Katia Michelle é jornalista formada em Comunicação Social e bacharel em Artes Cênicas. Trabalhou durante uma década na Folha de Londrina, passou pelo marketing de grandes empresas e foi editora na Gazeta do Povo. Aprendeu que comida é mais do que a junção de ingredientes e, desde então, vaga entre palavras e receitas, procurando o léxico, o sabor e o aroma perfeitos.