quinta-feira, 26 dezembro, 2024
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Primavera Romana (VII): “Retribuição” aos colonizadores

Giuseppe Girotti
Giuseppe Girotti

Não é necessário fazer um grande número de entrevistas. A indisposição dos romanos com a chegada de levas de africanos, diariamente, via Lampedusa (ou por outros caminhos), a ilha italiana que é porto seguro para multidões de africanos fugidos da fome e de embates tribais, é de um truísmo evidente.

Haverá sempre os que contra argumentarão, pedindo calma: “Afinal, o Terceiro Mundo está apenas exercendo seu direito de ressarcimento por tantos anos de colonialismo e espoliação da Europa contra ele praticados…”

Radicalismos à parte no exame de um tema explosivo, a questão é bem mais ampla do que olhá-la pelo ângulo das “explorações históricas”; o fato é que Roma já mostra uma forte presença africana. Isso numa sociedade em crise de PIB, crise também de desemprego, de dívida pública. Nação depauperada, e sob a vigilância de “frau” Merkel.

Alguns poucos desses africanos chegaram à Cidade Eterna há muitos anos: esses têm posições profissionais consolidadas, têm cidadania ou direito legal de trabalho. Outros, a maioria, perambulam por setores da cidade tomados pelos turistas, pedindo esmolas, vendendo ‘gadgets’, guarda-chuva, ‘souvenirs’, trabalhando como camelôs. Boa parte é de indocumentados.

Eles também pedem esmolas em várias línguas, sobretudo inglês e francês.

Eles têm “status”

Há outra categoria de africanos na qual pode se identificar um certo ‘status’: são os religiosos católicos, padres, irmãos, e freiras. Estão sempre usando talares (batinas e hábitos) ou ‘clergyman’.

Os padre já são em número expressivo, alguns até como párocos em igrejas romanas. As freiras, mais numerosas do que os padres, são africanas de Angola, Cabo Verde, Moçambique, Costa do Marfim, Daomé, Uganda, África do Sul, Congo.

Contatei alguns. A explicação deles para a permanência em Itália, justificativa dos padres, é de que teriam sido enviados a Roma para fazer cursos em universidades pontificias (como a Gregoriana e a Lateranense, por exemplo). E acabaram ficando, atraídos – não dizem, mas é óbvio – pelas oportunidades de trabalho que se abrem em comunidades católicas italianas onde rareiam as vocações sacerdotais, padres locais vão envelhecendo e/ou morrendo. Dizem simplesmente quer foram “convocados” por algum bispo a ficar em Roma.

Encontrei (surpreendente) um africano exercendo seu mister num posto de propaganda das Testemunhas de Jeová, no Setor Histórico: dupla raridade, tanto pelo jovem “evangelizando” quanto pelo estande das Testemunhas numa nação às voltas com suas realidades diárias. E que mal tem tempo para voltar-se ao catolicismo, que é parte de sua identidade cultural/nacional.

Africanos assumem posições

Com as freiras africanas dá-se mais ou menos o mesmo: elas começam a ocupar posições até de comando (são poucas, é certo) em congregações religiosas, algumas das quais definham.

Certas congregações definham, embora donas de grandes patrimônios materiais, formados na Itália e no mundo como consequência de séculos de ações, trabalhos comunitários que só ampliaram as economias dessas instituições.

Padre Ricardo Hoepers, curitibano que há poucos meses voltou a Curitiba depois de doutorar-se em Moral pela Gregoriana, relatou-me o caso de uma congregação feminina de freiras reduzida a uma comunidade de quatro anciãs. São velhinhas que controlam bens imóveis e recursos financeiros muito grandes, mas que relutam em examinar o “futuro” que lhes está chegando. Nem aceitam interferências, mesmo de autoridades religiosas, nas vidas de suas obras.

Essas freiras idosas e suas congregações que fenecem são assunto que, a qualquer hora, terá de ser encarado pelo cardeal brasileiro Dom João Braz de Aviz, cuja formação teológica foi feita em Curitiba. Pois o cardeal é o “ministro” da Santa Sé que decide sobre a vida das congregações religiosas e institutos de vida consagrada.

Girotti, um “justo entre as nações”

No meio desse ‘mix’ de etnias e crises de um dos artigos vitais de Roma, suas congregações religiosas, o que acabo registrando são sopros de veneração a homens e mulheres candidatos às honras dos altares católicos.

No entanto, o jornalista G. Serra, free lance, que já atuou em diários importantes de Roma e no noticiário de emissoras de rádio, é todo esperanças. Acha que “as crises são passageiras” na Igreja.

Em seguida me fala de quanto há movimentos contínuos, na cidade, como que “minando positivamente” diversos segmentos sociais, com o objetivo final de fortalecer essas armadas da Igreja, as congregações.

Serra me expõe, por exemplo, a biografia da venerável Luigia Tincani, que viveu no século 20. Foi fundadora das Missionárias da Escola (www.missionariedellascuola.it). Há uma certa elite cultural interessada em vê-la proclamada santa, diz.

A porosidade da Igreja Católica é enorme na Roma grandemente secularizada, mas que tem ainda na fé “o seu maior ganha pão”, opina o mesmo Serra.

E, ao encontrá-lo em minha visita ao Gueto Judaico de Roma, Serra me apresenta a vida e obra do beato Giuseppe Girotti. Em 1995, ele foi declarado em Israel “Justo entre as Nações”, por ter salvado muitos perseguidos judeus italianos durante a Segunda Grande Guerra Mundial.

Girotti, por sua defesa dos judeus, em 29 de agosto de 1944 foi deportado para o campo de Dachau, na Alemanha. E lá foi morto.

Esse defensor de hebreus perseguidos por nazistas acaba de ser declarado Beato. A solenidade deu-se em 26 de abril deste 2014, no Duomo de Alba.

Por coincidência, dia em que cheguei à Itália.

(a série de postagens continua)

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