Meu amigo e meu grande incentivador, advogado e empresário Luiz Fernando de Queiroz – um dos melhores exemplos que conheci de ‘self made man’ definido pela boa formação cultural -, estava esperando que eu escrevesse mais sobre o curto período de visita a Roma, de 26 de abril a 2 de maio.
Surpreendeu-se quando lhe avisei que estava no fim da série.
Vários motivos levam-lhe a dar um ponto final a essas mini reportagens, em que o olho do repórter atuou em busca de tonalidades de Roma, sua gente e sua fauna de estrangeiros que lá moram. Um desses motivos é que existem outros assuntos na fila, esperando espaço.
Uma realidade me chamou a atenção nesse país que vive sob a égide de estatísticas alarmantes (com os até 40% de desemprego entre a população jovem) e ampla crise econômica que nem as “mágicas” de frau Merkel resolvem: os romanos ainda dão o lugar no transporte coletivo aos mais velhos.
Essa atitude, meio rara no Brasil de hoje, lá “contaminou”, constatei, grupos de africanos. Na linha 65, que apanhava com frequência na Praça Argentina rumo à Praça de São Pedro e outros trajetos (Corso Humberto Primo), por duas vezes ganhei lugar de jovens africanos do Senegal, todos se comunicando bem em italiano e francês. Iam para as cercanias do Vaticano, para trabalhar em bancas de patrícios, oferecendo toda sorte de santinhos e quinquilharias que podem fazer as delícias de certos turistas.
Trabalham igualmente como camelôs.
Trata-se de gente sofrida, discriminada, muitas vezes humilhada, mas absolutamente empreendedora. Na missa da canonização dos dois papas, por exemplo, muitos desses africanos conseguiram a “graça” de penetrar em São Pedro, para vender água mineral. A garrafinha de 500 ml, com eles, poderia custar até dois euros – quando, na média, custava 1 euro.
Mas a água estava lá, na hora sagrada…
Clero com pouca escola
Entro numa das lojas que fica na Entrada da Praça de São Pedro. Procuro por um quadro artístico de João Paulo II para entregar a Elizabeth, viúva de Belmiro, pois o casal fundou essa obra educacional fantástica que é o Centro João Paulo II, em Laranjeiras, Piraquara. E nada mais adequado um presente com a figura de João Paulo II para a escola.
Acabo decidindo por uma bela e preciosa cerâmica, peça que atende a meu olhar educado em artes plásticas e às possibilidades (limitadas) de meu bolso. O que raramente é possível de conciliar.
Estava feliz com a aquisição até à hora em que – eu sozinho e quieto, sem abrir a boca -, ouvi um pedido de socorro, ao meu lado, em bom português:
“Padre J., venha cá para traduzir o que diz essa pedra…”
O padre J, acompanhado de outro padre (soube depois serem sacerdotes, embora trajassem roupas seculares, assim desobedecendo preceito da Santa Sé que manda que em Roma os religiosos usem pelo menos clergyman) – foi chegando.
Era homem mais velho do que o que lhe pedia a tradução, talvez uns 45 anos.
A presença salvadora não adiantou muito, pois nenhum dos três soube o significado da expressão latina “Omnia Vincit Amor”, de Virgílio, que estava escrita em pequenas placas graníticas, dessas colocadas como peso, sobre papéis, em escritórios.
Interferi, não me contive. Fiz a tradução básica, coisa de antigo ginasiano. Soube depois, em conversa com o mais velho dos padres, que os três eram de uma diocese do Nordeste do Brasil.
Mas cometi um evidente ato de soberba: reclamei, irado, indagando como padres de hoje se formam no Brasil sem pelo menos identificar três vocábulos que andam juntos com os correspondentes em português…
Um deles, sem esconder contrariedade com a advertência/indagação ‘inadequada’, murmurou, em decibéis suficientes para que chegassem em meus ouvidos com sua contrariedade: “Que audácia…”
Um deles arriscou a pergunta: “O senhor é padre?”.
Papo encerrado, de imediato.
Fiquei com vontade de dizer que nem os padres católicos estão a salvo desse ensino quase zero da escola brasileira. Mas calei-me. Calar é ouro, às vezes.
Tudo “made in Italy”
Dali decidi, em seguida, partir para uma realidade de hoje: a exposição de grandes momentos da obra de Andi Warhol, em exposição num museu, nas cercanias da Piazza Colonna. Quadros, telas de todos os tamanhos, vestuário, fotografias…
No mesmo território, um olhar sobre a Galeria Alberto Sordi, que ganhou o nome em homenagem ao lendário diretor de cinema. Lá predominam grandes marcas e preços estratosféricos para simples mortais. Compensam o café e algumas guloseimas às quais não resisti.
Nas andanças pelas imediações, entrei numa porta, acanhada, interior idem.
Lá dentro um velho italiano que exibe sua devoção sem qualquer barreira quanto a eventual rejeição da clientela: uma estátua de santa Rita de Cássia. “Minha mulher se chamava Rita”, explica.
Na pequena loja, um orgulhoso Sr. Mastroiani ainda informa com desenvoltura: “Temos bons preços”, diz, mostrando os cintos incrementados, feitos ao gosto de uma juventude que usa jeans e quer fivelas amplas na cintura. Não é meu caso, ele sabe, mas sugere que leve cintos como souvenirs.
Faz uma observação: “Temos bons preço, tudo artesanal, e o mais importante: made in Itália”.
Uma rápida vista d’olhos confirma o preço convidativo de peças de ‘souvernirs’. “Nada de produtos chineses,” orgulha-se o Sr. Mastroiani.
Na tarde romana dessa primavera de 2014 em que me vou despedindo da cidade, resolvo conhecer a loja do Roma, um velho time de futebol que parece ter ressurgido na preferência de muitos romanos.
Fica perto de meu hotel, proximidades da Praça Benedetto Cairoli. Lá constato: produtos de grifes futebolísticas podem ser tão caros quanto em lojas requintadas. E com o mesmo detalhe: quase todos os itens vêm da China, a herança mais forte que o comunismo deixou na Itália. O que deve estar fazendo Togliatti, o histórico líder da bandeira ‘rossa’, secretário geral histórico do PCI, mexer-se no túmulo, ele que era o pregador da sociedade socialista e igualitária por excelência.
“Tempus fugit”.