quarta-feira, 3 dezembro, 2025
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Por duas décadas, o inspetor Mário Guerra foi o “xerife” do trânsito

(o terror dos jovens que transgrediam as leis, mas cujos pais acabavam pagando a conta)

Na edição anterior, quando este colaborador se referiu aos semáforos pioneiros em Curitiba, ainda na década de 1940, foram citados os principais cruzamentos centrais que então ganharam a atenção dos técnicos do antigo Departamento de Serviço de Trânsito (DST). Os relatos e lembranças, e que aqui prosseguem, são creditados ao saudoso técnico José Veríssimo Siemsen, que em 1976, então com 61 anos (faleceu em 2009), ao contar sua trajetória profissional a este colaborador, quando ambos atuavam no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – o IPPUC, órgão então responsável pelo planejamento de tráfego urbano.

No episódio de hoje, a personagem-chave que dominou o cenário do trânsito local é o inspetor Mário Guerra (1908 / 2011). Desde o fim dos anos 1940 até o raiar da década de 1960, em especial, quando os semáforos substituíram os braços fortes dos agentes da Guarda Civil controlando o fluxo de carros e pedestres do alto das caixas de madeira instaladas nos cruzamentos críticos, o rigoroso Mário Guerra comandava cerca de dez inspetores alojados no quartel-general do DST, então funcionando na Rua Barão do Rio Branco. Guerra, lembremos, e a equipe, nesse período, cuidaram do trânsito e bordo das até hoje lendárias e possantes motocicletas Harley-Davidson, de 1.200 cilindradas cada.

Essas máquinas estrearam em 1943, quando expostas no pátio do DST, e se transformaram no terror de uma juventude que, em sua maioria, dirigia pela cidade sem responsabilidade maior, provocando acidentes por conta do excesso de velocidade e outras infrações. O resultado é óbvio: as multas eram encaminhadas aos pais, responsáveis pelos atos cometidos pelos filhos. Mas o chamado Esquadrão Guerra, segundo José Veríssimo Siemsen em seus relatos, foi fundamental para a organização do tráfego urbano. Havia crônica deficiência de equipamentos e de mão-de-obra especializada.

No raiar dos anos 1950, segundo Siemsen, o DST pretendia implantar mão única de tráfego nas ruas Barão do Rio Branco e João Negrão, resultado conseguido só anos depois por conta então das dificuldades em reposicionar os semáforos. A falta de mão-de-obra especializada era também responsável pela fala de manutenção dos equipamentos. “A maioria das peças era feita manualmente, faltavam recursos financeiros, e o DST enfrentava todos os dias os problemas de vandalismo e depredação”, conforme o depoimento dado em 1976.Só a partir de 1956 a situação mudou, quando uma empresa catarinense fabricante de sistemas de válvulas assumiu a manutenção e instalação de semáforos tecnologicamente mais evoluídos.

Foi nesse período que o Esquadrão Mário Guerra ganhou importante papel, atendendo ocorrências de trânsito com todo o rigor, enquanto as novas “sinaleiras” (como o curitibano originalmente chamou os semáforos) ganharam espaço com implantação em vários cruzamentos, como o da Rua João Negrão com Avenida Sete de Setembro; Rua João Negrão x Rua Marechal Deodoro; Rua Ébano Pereira x Rua Cândido Lopes e Alameda Doutor Muricy x Rua Cândido Lopes, entre outros.

Siemsen, em suas memórias alusivas ao DST, lembrou um episódio pitoresco envolvendo Mário Guerra: em um dos trabalhos noturnos, no centro da cidade, anos 1950, o “xerife” saiu da frente do utilitário do Departamento que, segundos depois, foi parcialmente destruído quando atingido por um automóvel da marca Buick. Em outro momento, até cômico, enquanto, com apoio do pessoal burocrático o grupo técnico providenciava a pintura de sinalização horizontal em cruzamentos, sem que alguém percebesse, mesmo Guerra, o carro do DST foi misteriosamente roubado. Sem tintas e ddemais apetrechos, a equipe, literalmente, ficou a pé. Não concluiu a obra por falta de policiamento ostensivo. Detalhe: poucos dias depois, o carro foi localizado no vizinho município de Quatro Barras. Abandonado e vazio.

*Raul Urban é jornalista, escritor, memorialista, pesquisador da memória histórica e ligado à área do transporte multimodal integrado e colaborador do Mural do Paraná.

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