16 de outubro de 2018 – A análise do fenômeno religioso e seus desdobramentos na política-partidária no Brasil é assunto sobre o qual muitos antropólogos sociólogos e jornalistas estão se debruçando.
Para se entender esse avanço pentecostal nas áreas que antes eram “portos seguros” do catolicismo no Brasil, é preciso fazer muitas buscas. Leituras da produção de pesquisadores de peso – além dos já citados por mim anteriormente – ajudam a entender a nova configuração, uma das mais preciosas fontes de votos em eleições.
CAPITÃO BOLSONARO
Bolsonaro, por exemplo, não se pode esquecer, cresceu substantivamente com o declarado apoio de lideranças evangélicas e bases pentecostais de todo o país. Assim como se beneficia o até há pouco desconhecido Wilson Witzel, que tem tudo para ganhar o governo Fluminense no confronto com o desgastado Eduardo Paes.
ANDREA DIP
Andrea Dip, jornalista, publicou recentemente um alentado livro (“EM NOME DE QUEM?”) sobre o tema, obra que considero imprescindível para a compreensão dessa realidade, e muito atualizada.
No livro Dip disseca a corrida das igrejas evangélicas no apoio a políticos e suas pretensões eleitorais e como esses se comportam em relação às denominações em que procuram espaço.
MISTURA EXPLOSIVA
A editora da obra anuncia o livro com chamadas como esta que segue: “Trata-se de trabalho de fôlego sobre a mistura explosiva de política e religião na vida nacional (…) Andrea Dip investiga as intricadas estruturas sociais, políticas e místicas que sustentam a escalada das Igrejas Evangélicas ao poder.
AS ALIANÇAS
Com linguagem ágil, apresenta pontos importantes, como a aliança de evangélicos com outros setores conservadores (como a CNBB e o Projeto Escola Sem Partido), o ataque aos direitos de grupos identitários (com as chamadas “cura gay”, “ideologia de gênero” e projetos antiaborto), a ocupação de um espaço deixado pelo Estado e o uso da mídia.”
CANSAÇO DO MATERIAL
Muito já foi produzido sobre como ocorreu a perda de enorme rebanho católico no Brasil, fato que, como registrei anteriormente, começa a se acentuar com o êxodo rural, acentuado a partir dos 196O.
Com a “invasão” das cidades por milhões de ex-trabalhadores rurais, os valores ofertados por igrejas evangélicas, como ponto de referência e solidariedade na cidade grande, foram decisivos para as conversões à nova fé. Além de que não se pode esquecer que a Igreja Católica já sofria de forte “cansaço do material”. Parece, como diz um amigo meu, pastor batista, que “em casa nova, religião nova era imperativo para esse povo do campo”.
OLHAR CRÍTICO
O trabalho mais bem sustentado em pesquisa de campo sobre as igrejas evangélicas nos morros cariocas está resumido no essencial livro “Oração de Traficante: uma etnografia” (Rio de Janeiro: Garamond, 2015), da doutora em Sociologia, pesquisadora da Universidade Federal Fluminense, Christina Vital Cunha, da pós-Graduação do Departamento de Antropologia.
SAEM OS SANTOS
Christina Vital Cunha passou anos convivendo com comunidades de favelas e ao lado de traficantes. A tudo anotou para demonstrar a força dessas mudanças que presenciou. Uma delas, eloquente: fotografias mostram imagens e quadros de São Jorge e Maria sendo substituídos por salmos e mensagens evangélicas.
Os símbolos católicos simplesmente “sumiam” na calada da noite, assim como pontos de umbanda fechavam.
UMA AMOSTRA
A seguir, trechos do livro:
Diariamente, às 5h30min, o radinho de comunicação dos integrantes do tráfico nas favelas de Acari e Santa Marta, no Rio de Janeiro, começa a chiar. O chefe do tráfico entoa uma oração que busca se comunicar, a um só tempo, com o divino e com seus comandados, apelando por proteção e dando orientações à sua “equipe”. “[o chefe do tráfico] orientava condutas, porque ele dizia para matar menos, falava para os líderes comunitários cuidarem das pessoas. Aquela oração era uma comunicação com o alto e o baixo”, explica Christina Vital Cunha.
NA VIRADA DOS 90
A virada dos anos 1990 para os anos 2000 marcou uma mudança radical da sociabilidade nas favelas do Rio de Janeiro no que diz respeito à relação entre religiosidade e tráfico.
UMA NOVA GRAMÁTICA
O novo contexto passa a ter como marca social uma nova gramática, aquilo que a pesquisadora chama de “cultura pentecostal”. “[Esta cultura] existe nas localidades e se expressa dentro das lógicas do universo evangélico, a ver com a cosmovisão pentecostal do mundo como o lugar da guerra. É o mundo da guerra do bem contra o mal, da disputa das almas. Paralelamente, esse é o mundo do tráfico, da guerra e da vigia, é bíblico também, vigiar e orar. O vigiar vem antes do orar. O cotidiano dos traficantes é o de vigia constante”, descreve.
(CONTINUA)