sábado, 14 setembro, 2024
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Opinião de Valor: sociólogo estuda fortuna dos super-ricos (II)

Fortuna de super-ricos é ‘incontrolável’, diz o sociólogo Antonio David Cattani, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com formação na Paris-Sorbonne, diz ter escolhido um caminho diferente de 99% de seus colegas. Enquanto a maioria dos cientistas sociais se debruça sobre questões relativas à pobreza e a miséria, Cattani resolveu desbravar o outro lado da problemática da desigualdade social – a extrema riqueza, ou os super-ricos.

A escolha já foi mais difícil de ser justificada. Desde que o francês Thomas Piketty tornou-se um best-seller com a tese de que o capitalismo está concentrando renda em vários países, o que ocorre no topo da pirâmide social global tem ganhado um pouco mais de espaço nos debates de economistas e sociólogos – ao menos no exterior.

Entrevista publicada pela BBC Brasil, apresentada em sua segunda parte:

Por que é tão difícil estudar o topo da pirâmide social?

A riqueza é tratada em nossa sociedade como um objeto de veneração, um totem, algo superior que precisa ser respeitado. É um tema proibido. Além dessa dimensão ideológica, há as dificuldades práticas. Os pobres são acessíveis. Os pesquisadores podem entrar em suas casas e fazer as perguntas mais inconvenientes sobre todos os aspectos de suas vidas. Eles respondem porque esperam que isso possa ajudá-los a melhorar a sua situação.

Já os multimilionários não respondem às pesquisas porque não têm interesse em informar sobre a origem e a exata dimensão de sua riqueza. Não querem que ninguém vá bisbilhotar seu patrimônio. E o resultado é que os dados estatísticos sobre eles são extremamente fracos. Não dá para confiar apenas na declaração de imposto de renda – até porque poucos ricos são assalariados. E é difícil obter dados sobre o patrimônio. Muitos multimilionários mantêm parte de sua riqueza no exterior – têm imóveis em Paris, Londres ou Miami e escondem fortunas em paraísos fiscais. Para completar, eles são protegidos por mecanismos legais e jurídicos, como o sigilo bancário e de declaração do imposto de renda.

Piketty tenta há alguns anos estudar o Brasil, mas um de seus colaboradores relatou a BBC Brasil ter dificuldade em acessar dados da Receita Federal…

Acho que no Brasil há regras específicas que garantem o sigilo desses dados e pouca colaboração das autoridades.

Quem são esses ricos?

É difícil quantificar isso. No Brasil, em geral as pesquisas demográficas e sociais estabelecem um patamar de renda de R$ 6 mil, às vezes R$ 10 mil por mês – elas dizem: todo mundo que está acima disso é rico, é classe A. Mas precisamos estabelecer melhor as diferenças dentro desse grupo. Quem ganha R$ 6 mil por mês pode ter um bom padrão de vida, mas seu poder e o impacto na sociedade é muito diferente do que quem ganha centenas de milhares de reais.

A partir de um certo patamar, o indivíduo em questão dispõe de uma corte de serviçais, assessores tributaristas e advogados para ajudar a multiplicar sua fortuna, assessores de marketing pessoal e institucional. Faz parte do topo da pirâmide que verdadeiramente tem poder. No caso dos super-ricos eu trabalho com um percentual de 0,1% da população adulta, por exemplo.

Também há um patamar em que a riqueza gera riqueza continuamente – mesmo em situação de crise, quando a economia real sofre. Uso um conceito interessante que é o de “riqueza substantiva” – essa riqueza tão grande que escapa até ao controle político. Quem é assalariado não tem noção do que é ganhar milhões de dólares, mês após mês, ano após ano. Nem quem tem uma pequena empresa, um apartamento na praia e um mesmo automóvel do ano. Tem lá seu capital, alguns trabalhadores – mas não tem uma riqueza que se multiplica continuamente.

(PROSSEGUE)

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