quinta-feira, 2 janeiro, 2025
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Opinião de Valor: sobre genes, cultura e enfermidades (parte I)

Rolando González-José é biólogo e dirige o Centro Nacional Patagônico (Cenpat) do Conicet, localizado em Puerto Madryn, Chubut, mas não estuda as baleias, nem a fauna marinha. Seu objeto de estudo é a espécie humana e está dando os primeiros passos para um estudo avançado: a realização de uma amostra de referência dos genes da população argentina, útil para o estudo de enfermidades. Como diretor do Cenpat, procura retirar as disciplinas científicas de seus compartimentos fechados para que formulem novas perguntas, que contribuam para a solução de problemáticas concretas.

A entrevista é de Ignacio Jawtuschenko, publicada por Página/12, 04-02-2015. A tradução é do Cepat.

Rolando Gonzalez-Jose: descobertas.
Rolando Gonzalez-Jose: descobertas.

Eis a entrevista:

Qual é sua formação?

Sou bioantropólogo, doutor em Biologia, graduado pela Universidade de Barcelona, Espanha. Fui para lá nos anos 1990, voltei ao país em 2004, na primeira leva do programa Raízes. Minha especialidade é a antropologia biológica, biologia humana, de acordo com a forma como desejar dizer.

O que estuda um bioantropólogo?

O bioantropólogo estuda uma espécie que evolui em um ambiente diferente das demais espécies, que é o meio ambiente cultural. Além da evolução biológica, há uma evolução cultural. Juntas dialogam o tempo todo, em uma relação dialética. O que comemos, consumimos, os hábitos, o que construímos, todas as transformações que efetuamos são o nosso meio ambiente e possuem um impacto significativo. Comecei estudando populações extintas e o povoamento da América. E fui fazendo uma migração acadêmica para o trabalho com populações urbanas cosmopolitas.

Você estuda como as mudanças culturais impactam na evolução biológica?

Sim, por exemplo, as mudanças nutricionais. A aparição da agricultura é o típico exemplo de diálogo entre a evolução cultural e a evolução biológica. As mudanças no padrão de dieta e nos estilos de vida expõem o indivíduo a um leque de doenças e dolências novas e mutantes que, somadas a outras pautas culturais, como o sedentarismo, acabam impactando na forma como o organismo se adapta.

Há um impacto das tecnologias na evolução?

Sem dúvidas. Pense que há algumas centenas de anos não existiam vacinas, antibióticos, não havia acesso à saúde pública, nem tecnologia aplicada à saúde. Do ponto de vista biológico e social, isto tem um impacto importante na população. Há pouco tempo, o homem tinha grandes chances de morrer por uma infecção dental mal curada ou uma gripe. Para quem pensa que a saúde pública é uma enteléquia, que não tem impacto, não é assim. É muito importante e o registro arqueológico assim o demonstra.

E as mudanças na alimentação?

Em nível genético há variantes que podem ser medidas. Por exemplo, a capacidade que a saliva tem para gerar amilase, que é uma enzima que degrada o amido. O amido entra na dieta pela invenção da agricultura.

Alimentos ricos em amido surgem com o plantio do milho, trigo e todo um conjunto de avanços tecnológicos. Então, indivíduos que por uma questão aleatória tinham uma maior expressão de amilase, que é determinada por três ou quatro genes muito simples, tiravam mais proveito do novo alimento, na nova dieta baseada em amido. Isso aconteceu em todos aqueles lugares onde as plantas foram domesticadas. Ou seja, essas variantes genéticas acabam se instalando por mecanismos darwinianos na população, porque a princípio esses indivíduos têm mais êxito reprodutivo. Então, estas variantes genéticas, que no fundo estão determinando que se tenha mais amilase, acabam se instalando na população, aumentando sua frequência. São exemplo do neolítico, e muitos estão sendo descobertos neste momento.

Por exemplo, quais?

Suspeita-se que o Alzheimer é um subproduto da resistência à peste negra que açoitou a Europa na Idade Média e arrasou um terço de sua população.

Porém, alguns indivíduos eram resistentes e eles se reproduziram mais. O que se diz é que no genoma dessas pessoas mais resistentes estava escondido o Alzheimer. E o mapa de distribuição de populações menos afetadas pela peste bubônica, por exemplo, os judeus ashkenazi da Europa do Leste, coincide com altas taxas de Alzheimer. Não há uma relação causa e efeito comprovada, mas a relação é sugestiva.

(CONTINUA)

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