sexta-feira, 30 maio, 2025
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OPINIÃO DE VALOR: MEMÓRIA DOS KAINGANG E GUARANI IDOSOS DA TERRA MANGUEIRINHA, PR

Cecília Vieira Helm

Por Cecília Vieira Helm (*)

Prezadíssimo Aroldo Murá G.Haygert:

Envio para conhecimento a nota introdutória de meu novo livro sobre Krinton, o major velho. Trata sobre os depoimentos dos indígenas idosos que obtive, gravei e escrevi para conhecimento das gerações atuais e futuras, digitei tudo a pedido de alguns líderes Kaingang, meus amigos.

Grande abraço, com admiração Cecília Helm.

NOTA EXPLICATIVA:

Decidi publicar os depoimentos dos idosos da Terra Indígena Mangueirinha, TIM, para que seja do conhecimento das novas gerações a história do povoamento desta terra narrada pelos Kaingang e Guarani.

Trata sobre as entrevistas que realizei para observar, ouvir os indígenas, durante as pesquisas que realizei nesse local, no sudoeste do estado do Paraná, desde 1967, para conhecer a história da ocupação da Terra Indígena pelo capitão Antônio Joaquim Kretã. Ouvir os indígenas, suas explicações sobre a história nativa, significa “um ouvir todo especial”. Contudo, escreveu Cardoso de Oliveira, “há de se saber ouvir”. (CARDOSO de OLIVEIRA, R. 1988).

Em 1818, Kretã reuniu unidades familiares Kaingang, deixou o aldeamento de Atalaia, em Guarapuava, devido aos atritos com os dirigentes e dirigiu-se à área de Palmas. Em 1819, foi se instalar junto aos rios Iguaçu e Chopim. Ergueu as aldeias Campina e Palmeirinha, nas proximidades do povoado Covózinho, no Paraná.

COLONIA MILITAR

Narraram os Kaingang, que em consequência da instalação da Colônia Militar do Chopim, se aproximaram dos militares e auxiliaram na abertura de picadas, para ligar a Colônia às povoações de Palmas, de Ponta Grossa e de Guarapuava. Não aceitaram o pagamento em papel moeda pelos serviços prestados. Solicitaram que fosse regularizada, formalizada a área de terras que ocupavam. Foi elaborado o Decreto nº 03, em 1903, pelo ex-governador do Estado do Paraná, Francisco Xavier da Silva. O filho de Antonio Joaquim Kretã, José Capanema, viajou para o Rio de Janeiro e Curitiba, para solicitar que as terras que ocupavam fossem delimitadas, documentadas, para os Kaingang.

EM 1915

Em 1915, um grupo da etnia Guarani Mbya solicitou ao cacique José Capanema, que herdou a posição de seu pai, para ceder uma parte da área, para que pudessem viver na Terra Indígena Mangueirinha. Foi indicado que se instalassem na mata, nas proximidades do riacho Butiá. Os Guarani ergueram a aldeia “Butiá”.

Na década de 60, os indígenas tomaram conhecimento que a área foi dividida em três glebas, A, B e C, por decisão arbitrária das autoridades governamentais.

A parte do centro (B) de seu território havia sido negociada, em 1949, pelos governos do Estado do Paraná e Federal. Em 1961, as famílias de Kaingang e de Guarani que viviam na área central foram transferidas de maneira forçada, para as outras partes (A e C) da Terra Mangueirinha.

DECISÃO IMPORTANTE

A minha decisão é importante, apesar dos desafios dos oitenta anos de vida, para me manter ativa, realizando o que gosto de fazer, escrever sobre a história dos povos indígenas no Estado do Paraná, com fundamento no que informam os indígenas, nos documentos consultados e no conhecimento que adquiri no exercício de produzir Antropologia.

A preocupação de realizar pesquisa sobre os conflitos que ocorriam, devido ao contato entre índios e não índios foi inspirada nos trabalhos de antropólogos, notadamente de Roberto Cardoso de Oliveira, meu notável professor no Curso de Pós Graduação em Antropologia Social, realizado no Museu Nacional, em 1962-3.

Os conflitos estão presentes nas relações de contato entre índios e não índios, e os meus projetos de pesquisa foram fundamentados em conhecer as questões geradas pelo conflito, nas relações antagônicas de poder.

A história da ocupação, delimitação e regularização da área de terras habitadas para uso, sobrevivência física, cultural, e as relações sociais dos indígenas, solicitei fossem narradas pelos cidadãos idosos.

Os seus depoimentos foram gravados, para ser documentada, para conhecimento das gerações presentes e futuras. Seus depoimentos foram incluídos nos laudos periciais antropológicos que elaborei em 1996.

ESTÃO LÁ HÁ 200 ANOS

Há duzentos anos, os indígenas, Kaingang e Guarani ocupam as terras, que devem ser protegidas, preservadas pelos jovens, lideranças atuais, para ser garantida a posse e o uso das terras de Mangueirinha. Os arrendamentos estão proibidos de serem realizados, bem como a instalação de serrarias em terras indígenas.

Na Justiça Federal, em Curitiba, foi dada, em 2005, a sentença favorável aos indígenas, em longo processo entre as partes. A Funai atuou na defesa dos indígenas e os advogados de F. Slaviero agiram na defesa dos interesses da Empresa madeireira. O competente Juiz Federal, Mauro Spalding estudou, em profundidade as ações e a sua sentença reconheceu os direitos dos indígenas que ocupavam a terra, desde 1819.

de índios guarani e kaigang de Manguerinha

ÍNDIOS EM ALERTA

Atualmente, os povos indígenas no Brasil estão em alerta, devido às ações do governo que têm se mostrado contra a ocupação, delimitação, demarcação e homologação das terras indígenas. Mesmo as terras devidamente demarcadas e homologadas, como as de Mangueirinha, causam preocupação aos Kaingang e Guarani.

O meio ambiente tem sido ameaçado por não índios, garimpeiros, agricultores, empreiteiros, pecuaristas que invadem as áreas, para extrair madeiras, minérios, plantas medicinais, causando desmatamentos e queimadas. O governo tem se mostrado contra o conhecimento produzido por cientistas sociais, não tem estimulado os pesquisadores, que buscam conhecer a realidade dos fatos. A situação das terras indígenas não está recebendo o necessário apoio, causando preocupação às lideranças indígenas, aos antropólogos, ao Ministério Público Federal e de parte significativa da sociedade civil.

CECÍLIA VIEIRA HELM, antropóloga, escritora, professora aposentada da UFPR

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