
Como já é na agricultura, a pecuária tropical do Brasil ainda se tornará exemplo planetário de eficiência e sustentabilidade
Evaristo de Miranda – Revista OESTE
O boi é responsável pela falta de picanha no churrasco de domingo? Não. Em 2021, o rebanho bovino do Brasil chegou ao recorde de 224,6 milhões de cabeças, um crescimento de 3,1% com relação a 2020. São dados divulgados recentemente pela Pesquisa da Pecuária Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o maior rebanho já registrado na série histórica do IBGE. Supera o recorde de 218,2 milhões de cabeças de 2016. Há muita desinformação sobre a pecuária, quase sempre acusada de ser um problema ambiental e até social.
O aumento do número de bovinos nem sempre é boa notícia. Pode resultar de problemas no mercado e na produção. Entre 2020 e 2021 houve retenção de fêmeas pelos pecuaristas para a produção de bezerros. Impactos dos lockdowns da pandemia na perda de renda da população, aumento de preços na carne bovina para o consumidor e boicote temporário da China à carne brasileira, entre outros fatores, levaram à queda no abate de bovinos.
Em tom de boutade, parte da mídia destacou o fato de o país ter um número de bois e vacas superior ao de pessoas. Mas outras comparações também são possíveis. O rebanho de vacas produz leite. O IBGE estimou em 35,3 bilhões de litros a produção em 2021. Ela cresceu 13% no Nordeste, onde chegou a 5,5 bilhões de litros. Pode-se comparar essa produção de alimento nobre, leite, com a de etanol combustível, na linha alimento x energia. Em 2021, a produção de etanol foi de cerca de 27 bilhões de litros contra 35 bilhões de leite. A produção de leite cresce e segue bem superior à do etanol.
Os indicadores mais relevantes para compreender a pecuária nacional são seus ganhos em produtividade, rentabilidade e sustentabilidade. Segundo estudos da consultoria Athenagro, em 32 anos, o rebanho bovino aumentou 13%, enquanto a produção de carne cresceu 108%! A produtividade foi ampliada em 147% no período, mesmo com uma redução de 16% na área das pastagens. Menos pastos, mais bois e muito mais carne.

Logo ocorreu uma reversão no processo, dada a queda no interesse dos pecuaristas de produzir com perda de renda. Os rebanhos diminuíram. Os preços voltaram a subir. De 2010 em diante, a disponibilidade per capita de carne bovina nunca mais voltou aos patamares anteriores. E cai a cada ano. Hoje, a quantidade de carne bovina disponível ao consumo por argentino é de 47,8 kg/ano, quase 25% abaixo do disponível antes da decisão de 2006 e a menor em 100 anos! O rebanho per capita também está no menor valor histórico: 1,1 bovinos por habitante contra o máximo de 2,3 em 1977.
Os argentinos foram vítimas dessa proposta imediatista e irresponsável. Uma questão pontual, passível de ser resolvida em poucos anos, pelo investimento privado em mais produção, transformou-se em um grave problema. E levará décadas para ser solucionado. Aqui, tal medida depreciaria o patrimônio de quase todos os pecuaristas. E a carne bovina não está apenas em grandes fazendas. Cerca de 70% da produção vem de pequenos e médios produtores.
No Brasil, essa sugestão demagógica é contestada por um exemplo inverso. Após a queda da oferta global de proteínas, as exportações nacionais de carne suína aumentaram quase 60% entre 2018 e 2020. O crescimento nos preços estimulou a produção. Entre 2018 e 2021, o volume anual produzido aumentou duas vezes com relação ao total exportado. Nos últimos dois anos, a disponibilidade de carne suína foi a maior dos cinco anos anteriores.
O ciclo da produção bovina é muito mais longo. Em 2022, espera-se um aumento de 5% a 8% na produção. A disponibilidade crescerá ainda mais a partir de 2023. Restringir as exportações quebraria o estímulo ao aumento consistente da oferta. Reduziria empregos no campo, bem como a renda gerada a partir de fazendas, empresas e negócios relacionados à produção de carne. Impedir ou taxar exportações nunca garantiu picanha no churrasco. É conversa de burro, para boi dormir.