sábado, 5 julho, 2025
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OPINIÃO DE VALOR: “EM NOME DE QUEM?”, DE ANDREA DIP (PARTE 3)

Depois da participação ativa de políticos evangélicos nos acontecimentos dos últimos três anos, fica evidente o projeto de poder político da bancada evangélica em Brasília. A jornalista Andrea Dip, que escreveu o livro “Em nome de quem”, lançado pela Civilização Brasileira, em entrevista à Claudia Lamego, descreveu detalhes desta nova força e suas consequências para o Brasil.
Leia o final desta entrevista:

Por Claudia Lamego

OPINIÃO DE ARIOVALDO

Claudia Lamego e Andrea Dip
Claudia Lamego e Andrea Dip

No livro o pastor Ariovaldo Ramos, que é o fundador da Frente Evangélica pelo Estado de Direito, diz: “Tudo o que a direita precisou fazer foi entregar para os pastores quem era o culpado, qual era o foco da perda de moral do Estado. E foram bem-sucedidos em caracterizar o PT como o grande vilão da imoralidade, da promiscuidade. Esse foi o mote, porque os pastores não teriam nenhum interesse na perda do Bolsa Família, na Reforma da Previdência e na Reforma Trabalhista [medidas-base do governo Temer]. O seu povo é basicamente constituído de gente que usufrui esses direitos.

“FORAM ENGODADOS”

O problema é que eles foram engodados, porque acreditavam que o PT era o partido por trás da corrupção e por trás do esgarçamento do tecido social pela perda da família nuclear. Eles foram enganados e agora serão os prejudicados, porque a Igreja é, em sua maioria, feminina, pobre e preta. É um grupo que foi usado, abusado, botou o povo na rua com o pessoal da direita e da extrema direita e agora serão os maiores lesados pelo Golpe em curso e pela estupidez da elite branca brasileira.” Me parece que o caminho para a esquerda se aproximar dos evangélicos seria, através do trabalho de base, se aproximar das pessoas e apontar essas contradições.

REPRESENTAÇÃO PRÓPRIA

Andrea Dip
Andrea Dip

Os pastores evangélicos sempre foram cortejados pelos políticos tradicionais em busca de votos. Hoje, eles têm seus próprios representantes nos Parlamentos, prefeituras e governos e se comunicam com seus eleitores por meio de seus canais oficiais, concessões de rádio e TV, horas de programação compradas em canais abertos de TV. No Rio, o prefeito Marcelo Crivella, em vez de usar a mídia para responder a questões de crise, como enchentes, violência, etc., prefere gravar vídeos e divulgar em suas redes sociais, falando diretamente com quem o elegeu, sem mediação. Qual é o papel da grande imprensa e da imprensa independente na cobertura desses mandatos e administrações e também das próximas eleições?

 

CANAL DIRETO

R – Ter um canal direto com o eleitor, que também é muitas vezes o rebanho da igreja daquele candidato pastor é muito poderoso. Ter representantes de “deus” em uma campanha constante não tem competição. A palavra de “deus” não pode ser questionada. Então só aí já temos um jogo ganho. O candidato pastor ou quem aquele pastor apoia chega nos lares das pessoas todos os dias, a coisa vai se construindo ao longo do tempo e não apenas em época de campanha. A grande imprensa se divide entre demonizar os evangélicos e apoiar alguns de seus representantes, mas mesmo quando demonizam, é material para que os pastores nos cultos e em seus programas digam como são perseguidos e que isso tudo está previsto na Bíblia. Creio que o papel da mídia independente, do jornalismo bem feito, é jogar luz nas pautas desses candidatos e também nos processos que enfrentam na justiça e nos escândalos de corrupção em que estão metidos. Porque grande parte da bancada evangélica que temos hoje tem processos no STF como eu mostro no livro.

 

TEVE CRIAÇÃO EVANGÉLICA

Por fim, você diz, nos agradecimentos, que seus pais não se curvaram à corrupção dentro da igreja evangélica. Você tem então uma experiência pessoal de convívio com evangélicos. Pode contar um pouco como essa experiência a tocou, influenciou e a ajudou para fazer a primeira reportagem sobre o tema e, em seguida, esse livro?

R – Eu fui criada em uma família evangélica. Meus pais tiveram cargos importantes dentro de igrejas e eu acompanhava as contradições e perseguições que eles sofriam por não se curvar ao sistema corrupto e não compactuarem com tudo aquilo. Eles saíram da igreja depois de um tempo e hoje não frequentam mais, porém carregam sua fé e amigos que fizeram ao longo desse caminho. Eu costumo dizer que vi a coisa acontecer por dentro, pois estava lá, porém ver a postura dos meus pais diante daquilo me fez entender que existem pessoas que estão ali com seus corações e sua fé de um modo bem verdadeiro. Isso me fez respeitar as crenças das pessoas e me deu uma visão não achatada ou simplista do tipo “todo evangélico é isso ou aquilo”. Me ajudou muito durante as pesquisas para o livro.

 

VANTAGEM DE BERÇO

Me ajudou muito também porque os termos usados, a linguagem, a teologia da prosperidade e do domínio não me eram estranhos, então a experiência me coloca em vantagem. Mas eu escrevi o livro como jornalista, com a metodologia e o cuidado jornalísticos, com a busca de fontes, com uma pesquisa séria, como qualquer outro assunto sobre o qual escrevo. O livro não é “contra os evangélicos”. Ele quer alertar a população – inclusive os evangélicos – de um projeto de poder que está se construindo com pautas e motivações nada espirituais.

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