terça-feira, 3 dezembro, 2024
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O CONDE CACA

Uma Garota e sua Ama, de Bartolomé Esteban Murilo (1670)

(Conto de Antônio Carlos da Costa Coelho) 

Chegava para o almoço cheio de pose. Pouca conversa e cara feia, como se tudo, na casa, não lhe agradasse. Passava o dedo sobre o aparador, endireitava um quadro. Sempre assim. Cara emburrada, cheia de razão, como se, sem ele, nada andasse direito. Tudo era uma forma de esconder as suas estripulias e de fazer sua mulher se sentir uma incapaz e indigna de ser casada com uma pessoa tão nobre. Sua cara amarrada evitava possíveis perguntas sobre a noite anterior. Mas, o que ele fazia não era novidade para ninguém. Nem mesmo para a vizinha surda, que não era cega, e morava na esquina. Ele recebeu uma apelido da governanta: Conde Caca. Tradução do seu estilo de vida. Aparência de conde, vida de caca.

Carro e roupas impecáveis. Para as roupas, contava com a abnegação da governanta. Para os cuidados com o auto, tinha o capricho do Mauro, um velho amigo e confidente e, talvez, nas horas vagas, motorista de alguma senhora de maior intimidade. A vida do Conde Caca poderia ter Nelson Gonçalves como seu narrador.

Era homem de amantes e boemia. Mantinha matriz e filial, no entanto, respeitoso. Chamava a mulher de patroa e só se referia a ela por “Dona”.

Aos amigos, não dava o direito de mencionar algo que pusesse em dúvida a sua integridade moral e a sua honra. A qualquer insinuação, a amizade seria rompida para sempre.

Certo dia avisou que chegaria um caminhão trazendo alguns móveis de sala.

Coisa que, segundo ele, era resultado de um negócio. Disse, também, que só tinha aceitado porque estavam praticamente novos e eram bons, feitos pelo Paciornik. A casa estava mesmo precisando ser uma ajeitada. Até sua irmã, que pouco saia de casa, apareceu para conhecer a nova sala.

Mas, que surpresa! Ela já tinha vistos os móveis na casa da Izaura, a costureira que morava na Avenida Iguaçu, próximo à maternidade. O Conde tinha rompido com sua amante.

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